sábado, 17 de março de 2007

Capítulo 3

And your earth moves beneath your own dream landscape.
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- Minha Nossa Senhora! – exclamou Joana admirada.
Aquela casa não era sem sombra de dúvidas uma casa velha e vulgar. Era um pouco mais do que isso, na verdade. Um paraíso aos olhos de admiradores de arte e uma boa razão para fazer inveja aos menos telentosos.
As frágeis e sábias paredes não chegavam para tantos quadros ali expostos. No chão iam-se amontoando mais pinturas, umas frescas, outras mais antigas, mas todas que faziam Joana parar para observar com atenção a beleza e autencidade das obras. No canto da ampla sala encontrava-se pousado um cavalete junto a uma pequena mesa com algumas ferramentas de pintura e mais telas por cobrir.
Aquele espaço já não tinha mais por onde lhe pegar. Estava completamente sobrecarregado e desorganizado. A secretária junto à porta da entrada encontrava-se repleta de papelada solta e desarrumada e de blocos de notas rabiscados. Mas o que chamou mais à atenção de Joana foi o lindo piano de cauda junto da pequena janela poeirenta. Tão brilhante e majestoso ocupava quase metade daquela sala de estar.
- Aposto que além de pintor foi um grande músico. – disse Joana passando a ponta dos dedos nas teclas pretas e brancas tão limpas e polidas que nem as pratas da raínha de Inglaterra.
O homem arrasta uma gargalhada sonora e aproxima-se do local. – Não, eu nunca fui lá muito bom músico. Mas gostava muito de ter sido.
- Nunca teve oportunidade de aprender? – pergunta Joana.
- Não, falta de talento mesmo! – responde ele a rir. – Digamos que não tenho queda para os acordes e as notas.
Joana achou estranho a sua reacção. Como é possível conseguir rir-se daquela maneira mesmo não tendo realizado o seu sonho por falta de capacidade? Certamente a pintura realizava-o por completo.
- Vamos lá despachar isto? - pergunta ele pegando no poster novamente.
Joana assentiu com a cabeça e seguiu-o até à sala ao lado.
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Carla já tinha tentado ligar-lhe para o telemóvel mil e uma vezes chegando depois à conclusão que a micro-geringonça da sua filha estava perdida no meio das almofadas do sofá. Como era possível que Joana não avisasse sequer que não ia almoçar a casa? Bom, o pior foi ter saído sem alguma explicação. Sem ter qualquer maneira de contactar com Joana, Carla ficou por servir o almoço para Sofia e esperar mais um pouco.
- Mãe, e se fosses à procura dela?
- Vamos esperar mais um pouco. Agora come. – disse ela espreitando pela janela mais uma vez.
- Acho estranho uma coisa... – diz Sofia. – porque é que ela levou o meu poster?
Carla olhou para a filha. – Que poster?
- Aquele que eu tinha na parede do meu guarda-fatos! O que compramos numa feira há uns meses atrás. – responde Sofia sem tocar na comida.
- Tens a certeza que ela o levou?
- Sim. Antes de saír de casa ele estava lá. Quando cheguei tinha sumido. – explicou Sofia.
- É estranho... – concluiu Carla – Vamos esperar que ela volte.
- E se ela não voltar?
- Come a massa, Sofia!

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Joana ficava cada vez mais surpreendida com aquele pequeno homem. Não existia canto algum naquela casa sem estar preenchido com algo de interessante e curioso para a rapariga. Aquela divisão era um pouco mais pequena e escura que a anterior mas igualmente agradável. No centro estava uma mesa comprida e larga sem cadeiras. O velho entra por uma porta ao fundo da sala e volta a saír com um monte de ferramentas e algumas tábuas já devidamente cortadas e trabalhadas, como se já tivesse tudo preparado para receber e ajudar Joana. Pousa tudo em cima da mesa e volta a entrar na arrecadação.
- Isso vai demorar muito? – pergunta Joana sentando-se no banco de rodar encostado à parede.
- Não muito. Tenho tudo em mente, não se preocupe. – Responde-lhe ele pousando mais outra tábua em cima da mesa.
- Tenho a certeza que depois disto ficarei a dever-lhe muito. - disse Joana.
- Não, menina, eu é que ficarei a dever-lhe muito mais pela companhia e alguma ocupação que me está a proporcionar neste momento. – retorquiu o homem olhando-a.
Joana ri-se. – Trate-me por Joana por favor.
O senhor sorri e no fundo daquela sala escura Joana viu seus olhos brilharem de novo. – Está bem, Joana.
A rapariga fica de novo aparvalhada. Estava à espera que ele fosse dar o seu nome também e em vez disso ficou com um sorriso patético nos lábios enquanto continuava os seus afaseres.
- Então o senhor já trabalhou numa loja de molduras? – perguntou Joana metendo conversa enquanto assistia ao homem a trabalhar no seu poster.
- Sim, mas não muito tempo. Foi quando eu era novo, precisava de algum dinheiro e aceitaram-me numa pequena loja de fazer arranjos em quadros e coisas assim. Mas nada de especial. Eu era um mero empregado mas deu-me alguma formação nestas coisas, e o que aprendi lá serviu para alguma coisa no futuro como pode ver.
- Parece que tem muitos anos de experiência! – observou Joana.
- É como lhe digo, ganhei mais habilidade recentemente com os meus próprios quadros do que quando trabalhava nessa loja. Eu era apenas um miúdo desajeitado e trapalhão que precisava de alguns trocos! – disse ele a rir-se. – Ao fim dum mês tive de procurar outra coisa para fazer. O dono daquilo morreu e como não tinha família o estabelecimento fechou. Ele era uma pessoa amável e muito inteligente, mesmo não tendo estudos nenhuns, e isso fascinava-me! Era a pessoa que quando eu não tinha ninguém com quem falar ou nada para fazer arranjava-me sempre ocupação ou desenvolviamos conversas de horas a fio quando não havia grande movimento na loja. Ensinou-me muitas coisas que mesmo agora eu as aplico no meu dia-a-dia e que também as usei na minha formação como pessoa.
- Foi uma pessoa influente para si? – pergunta Joana.
- Sem dúvida. – responde ele. – São estes pequenos acontecimentos, pessoas ou memórias que nos fazem pensar no verdadeiro rumo que tomamos na nossa vida. Olhamos para trás, para todo o trajecto de definimos, para tudo o que aconteceu e conseguimos ver as coisas de uma outra prespectiva, com outros olhos de ver. Passamos a compreender melhor o porquê, o como e na verdade chegamos a pensar o quão idiotas fomos em algumas situações! Bom, eu sei que isso faz parte do ciclo da vida de toda a gente, mas eu por exemplo demorei bastante tempo a resolver a confusão que ia na minha cabeça, a desembaraçar todos os novêlos de lã e pô-los no lugar, percebe? Acima de tudo uma pessoa tem de saber crescer emocionalmente, não só fisica e psicológicamente. Agora, bem, agora vejo como tudo era simples e fácil, mas na altura não havia mais espaço na minha cabeça para poder pensar assim.
- Então está a dizer que muita coisa no seu passado não devia ter acontecido?
- Não, Joana. Muita coisa no meu passado podia muito bem ter acontecido mas não conteceu. Arrependo-me de muito e não me orgulho de muito mais.
- Eu muitas vezes penso que a minha vida não está a tomar rumo nenhum. Passam sempre as mesmas coisas, as mesmas chatices e as poucas emoções que acontecem não chegam para definir a nossa personalidade. É como a TV, fartam-se de passar anúncios repetidos e a programação é sempre a mesma mas as pessoas não deixam de estarem coladas ao ecran à espera de algo interessante. É como se houvesse apenas um caminho por ir. Isso aborrece-me de morte, mas às vezes tenho medo de enfrentar o mundo. De descobrir aquilo que mais temo e depois não ter forças para ultrapassar os problemas e as dificuldades.
O homem sorriu. – Fico fascinado com a quantidade de coisas que cabem na cabeça de um jovem adolescente. Isso aconteceu comigo. E acredite que foi pior. Mas eu optei por achar todas as forças que eu tinha e que não tinha para poder tomar um rumo e ser feliz.
- Conseguiu?
- Com o tempo e muito esforço, consegui.

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Hoje vamos todos demostrar os pequenos irlandeses que há em nós? Porque hoje é dia de St. Patrick!! Onde há sempre mais um espaçozinho para festa, convívio e muita Guiness!!
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Happy St. Patrick Day to everyone!



17 comentários:

Joanne disse...

Comentem!

Espero que gostem. Não está exactamente como pensava que devia estar, como repararam, desta vez não acaba em suspanse. Decidi deixar tudo isso para o proximo capitulo, porque se assim não fosse este iria ficar muito grande!


Bjos e obrigada!

Anônimo disse...

FELIZ DIUA DE ST. PATRICK !

: D

ólha, eu não li aquilo tudo -.-

Depois podes mostrar-me na escola ?
Não consigo ler assim no pc, atrofia-me os olhos e fico com cataratas

MUAAHAH

Joke .

Beijo : D

Joanne disse...

Sua preguiçosa... ai ai! eu já tenho imprimido, na segunda tu vês! ^.^

Obrigada na mesma pelo coment!

Flávio Gonçalves disse...

"São estes pequenos acontecimentos, pessoas ou memórias que nos fazem pensar no verdadeiro rumo que tomamos na nossa vida. Olhamos para trás, para todo o trajecto de definimos, para tudo o que aconteceu e conseguimos ver as coisas de uma outra perspectiva, com outros olhos de ver. Passamos a compreender melhor o porquê, o como e na verdade chegamos a pensar o quão idiotas fomos em algumas situações!"

Para começar, adorei simplesmente o diálogo entre a Joana e o idoso, achei tão boa a conversa, a sério. Então o idoso, esse sim, é um homem que não nasceu para viver isolado, assim como qualquer outro. Em cima, cito uma coisa que tu escreveste e que é bem verdade, fez-me reflectir qual o tipo de rumo a minha vida está a seguir, e aquilo que ainda vou a tempo para fazer porque sou jovem e aquilo que fiz e que não devia ter feito.

Óptimo capítulo, cinco estrelas!

Feliz dia de St. Patrick!!

The Star disse...

Muito bem!!!
Adorei o desfecho do último capítulo. Está muito bem conseguido.
As personagens têm conteúdo e uma mensagem a passar.
Tal como o Flávio referiu, o diálogo da Joana e do senhor, está maravilhoso. Faz-nos reflectir.

Estou a adorar ler esta tua história. Espero ansiosamente o próximo capítulo.

Um bom dia de St. Patrick para ti, também.

Unknown disse...

Olá Joanne !!! Mais uma vez nos presenteou com um ótimo capítulo e nos deixou ainda mais ansiosos para o próximo ...
Adorei a conversa entre a Joana e o velhinho misterioso, realmente nos faz refletir sobre o que fazemos e o que deixamos de fazer por medo quando somos jovens. Além disso, essa conversa demosntra toda a sabedoria que os idosos podem nos passar.
Parabéns pela sua sensibilidade Joanne e continue escrevendo !!!
Feliz dia de St. Patrick !!!!

Joanne disse...

Ainda bem que gostaram! Fico feliz por saber disso. Estava receosa de não gostarem grande coisa porque eu própria esperava mais deste capítulo. Fui obrigada a deixar o mistério para o proximo porque senão este ficaria muito grande!

Bjinhos

Tal como eu vou continuar a escrever, continuem a ler também!

;)

Obrigada a todos

Anônimo disse...

Oi Joanne, gostei muito do capítulo também, a conversa dos dois foi muito bonita, (precisamos crescer emocionalmente)gostei muito! Bjos :D

GK disse...

Ora aqui está um talento!

Flávio Gonçalves disse...

10 comentarios?

sua tolaaa


quero o 4º capitulo........!

Sofia disse...

vês o que fizeste??? Agora fiquei viciada no teu blogue... lolol

Adorei... Muito bom... Bom ver perseverança, força, simplicidade. Excelente escrita... keep doing girl...
Quero o próximo sff....

beijinhos e good vibes
Sofia

Anônimo disse...

olaa

bem, o que dizer mais?
quanto a conversa entre o velhote e a joana, acho que ja foi tudo dito. esta boa, e acho que o velho é uma pessoa culta e com liçoes a dar.

acho que continua bom, e espero que escrevas o próximo brevemente.
so ha uma coisa que me intriga, mas que espero saber quando ler a continuaçao: se o autor dos quadros é o velho e ele é assim talentoso, porque é que vive assim no limiar da pobreza?

beijos, vou tentar comentar mais rapidamente nos próximos.

www.luzescamaraaccao.wordpress.com

Joanne disse...

hahaha

Ruben, limitar da pobreza, eu não diria isso.... mas vais perceber o porquê mais tarde! Boa pergunta... ainda ninguém tinha questionado tal coisa! Bom, os quadros eram um simbolo de que aquele homem era um mestre da arte! Em todos os aspectos menos no que ele realmente queria, que era a música... (ou não propriamente).

Bem, se ele era pobre, só se fosse no sitio onde morava! Talvez porque realmente queria que fosse assim. Ele era feliz com o que tinha! Se não era rico é porque não percisava disso! Se a casa estava com quadros espalhados por toda a parte é porque ele gostava deles e não se queria desfazer deles... para vender, digo eu!

Percebes? Acho que não... hehe

;D Bjos e mil obrigadas por gastares um tempinho a ler o que escrevi!

Anônimo disse...

Ei Joanne
td bem?
vlw pela visita
de vez em quando arrisco em escrever alguma coisa
como era o primeiro post resolvi falar o razão do nome do blog "Apenas Alguém" que como você disse é o que todos nós somos.
bjos e abraços
tenha uma boa semana
té mais
Apenas Alguém

vc é era do Brasil e tah em Portugal? ou é de Portugal mesmo?

Joanne disse...

Porquê essa pergunta, apenas alguém?? Eu sou portuguesa... e sempre vivi cá!

-.-'


Pronto, quero pedir desculpas a todos pelo meu pequeno atraso com o próximo capítulo! Ainda só escrevi dois parágrafos.... Sabem como é... estou em férias, por isso há pouca coisa que me inspira à minha volta! Bom, mas não desanimem, acabei de ter um ataque de ideias todas ao mesmo tempo! O próximo capitulo vai ter muitas surpresas, prometo que vai ser o melhor lido até agora! *.*


Bjos e muito obrigada a todos!!! ;)

Flávio Gonçalves disse...

É, levas ja.

16 comentarios ja... mata-te

Anônimo disse...

Olá Joanne
vlw pelo comentário em meu blog, acredito que já pessou da hora do pessoal respeitar o outro, tanto o homossexual, o negro, todos. é muito dolorozo saber que cada dia um cidadão morre devido a sua maneira de viver. é visto como doença, aberração e tudo mais.

ah sim, o porque da pergunta, é pq estive lendo seu blog e muita gente fala que o Português do Brasil e de Portugal são diferentes., mas consegui entender tudo o que li em seu blog, o sentido das palavras. até nos comentários que você deixa no meu blog tbm, foi só por isso que eu perguntei
bjão
té mais
Apenas Alguem