domingo, 2 de dezembro de 2007

Capítulo 12

Some pray for others steal

Joana saiu para o corredor mais leve que nem uma pena. Trazia a medalha e o fio consigo para mostrar a Eve. Poderia ser mais fácil descobrir a sua identidade se aquele colar fosse estudado, tal como a roupa que trazia vestida. O banho servira também para a fazer pensar no que fazer a seguir. O que a levara a acordar, sozinha e desamparada, numa rua a meio de um amanhecer, e sem trazer consigo memória alguma? O que tinha acontecido?
- Uau! Estás sem dúvida com muito melhor aspecto! – Exclamou Eve assobiando quando ambas se cruzaram.
- Achas? Eu não sabia o que escolher para vestir… estava com receio.
- Estás óptima! Já não vestia essas calças há muito tempo porque me ficavam apertadas, mas podes ficar com elas… assentam-te bem. – Disse ela olhando-a melhor. O seu sorriso desvaneceu-se quando Joana abriu a mão e exibiu o colar. – O que é isso?
- É meu… tem uma inicial na frente e uma frase por trás.
Eve pegou nele e examinou-o.
- É bonito. Achas que o teu nome pode estar relacionado com o “J”?
- Hum… é provável. – Disse Joana. - Isto é tudo tão complicado para mim!
- Imagino. O que é isto? “Um gesto para o amor eterno”? – Palavreou Evelyn com dificuldade. Fez uma careta e olhou para Joana. – Consegues decifrar?
- Sim.
- Sim? Falas mais alguma língua?
- Não, acho que não, mas sei o que isso quer dizer.
- Podes eventualmente saber o significado da frase, mas isso não quer dizer que possas saber falar esta língua… como um segundo idioma, sei lá!
Joana respirou fundo e encostou-se à ombreira da porta. – Não sei… E porque raio iria estar isso escrito dessa forma?
- Não sei. Traduz-me.
- Um gesto para o amor eterno. – Respondeu Joana em Inglês.
- Como podes ter essa certeza?
- Não sei. Mas tenho.
- Isto é muito estranho. – Disse Eve olhando uma vez mais para o pequeno objecto.
- A quem o dizes.
- Não te consegues recordar de nada através dele? – Pergunta Eve devolvendo o fio aproveitando para o fazer balançar diante dos seus olhos. – De alguém. De algum lugar…
A rapariga aceita-o na palma da mão e aproxima-o da vista.
- Não… sinto que é apenas um lindo colar, e que me pertence. Sinto que ele me pertence, percebes? De qualquer das maneiras acho que tenho uma ligação especial com ele. – Respondeu ela olhando para o coração de prata. Sorriu levemente e aconchegou-o na sua mão.
- Isto vai ser mais difícil do que eu esperava.
- Conversas de quintal? – Uma voz fez-se ouvir no fundo do corredor. – Também me quero juntar! – Bevin aproxima-se mais. – Que caras são essas?
- As nossas. – Respondeu Evelyn.
Seguindo-a, um cachorrinho castanho saltitou pelo corredor. Ultrapassou o passo da dona e correu à sua volta como se se encontrasse em liberdade ao fim de uma eternidade. Bevin quase tropeçava nele quando este passou como um relâmpago junto dos seus pés. Irrompeu-se em gargalhadas vendo o seu animal feliz exibindo as suas acrobacias diante das três raparigas. Soltou três latidos e abanou o rabo pedindo alguma atenção.
Joana olhava divertida para ele e Bevin, com o seu olhar apaixonado e lunático, pegou-lhe ao colo. O bichinho lambeu-lhe a mão e tentou trepar mais alto pelo seu corpo acima.
- Não te admires se qualquer dia sair em marcha do quarto dela o jardim zoológico inteiro. – Falou Eve de esguelha a Joana.
- Eles parecem gostar muito um do outro.


***

Ivone desceu da carrinha. Com um gesto firme afastou as madeixas de cabelo que o vento empurrou para a cara. Depois ajustou a alça da bolsa ao ombro e olhou para o edifício alto e levemente desgastado pelo tempo. Outra rajada de vento seco e quente fez o seu cabelo voar num remoinho desorganizado.
Aproximava-se mais um dia abrasador. A brisa matinal morta que se arrastava daria lugar ao calor sufocante e consumidor a que aqueles dias já estavam habituados. O Verão chegara quase tão repentinamente como quando um aguaceiro primaveril interrompe um dia luminoso, mas neste ano nem a isso se deveu. A passagem brusca do Inverno rigoroso para o Verão a valer era ainda um facto incompreensível para algumas mentes. Mas para outras, isso tinha uma resposta muito simples, aquecimento global. E em Portugal isso já se fazia sentir muito bem.
António trancava a carrinha e olhava simultaneamente para a fachada do hospital. Não tinha reparado o quanto aquele sítio envelhecera com o passar dos tempos. Depois olhou para Ivone que lhe enfiava um braço no dele conduzindo-o para a entrada. Um casal de braço dado causava sempre muito boa impressão, pensava ela.


***

- Há imensos caminhos por onde eu posso ir nesta conversa, mas eu prefiro ser claro e directo.
- Agradeço. – Falou Carla educadamente sentindo-se cada vez mais contraída e desesperada, por dentro.
Encontrava-se sozinha, numa conversa delicada que podia determinar o futuro da sua filha. Em quem se ia apoiar? Por momentos veio-lhe à cabeça a imagem de Miguel. Era ele que estaria ali ao seu lado, se não tivesse morrido. Ele seria novamente o seu ombro, o seu pilar. Na pior das hipóteses seria ele que a sustentaria se a filha morresse se ele mesmo não tivesse ido também. E se a sua menina morresse? Não havia Miguel. Havia Sofia, mas ela ia sofrer muito também.
– Continue. – Incentivou ela sentindo a cabeça a latejar.
- O que a sua filha teve foi um AVC, não há dúvidas disso. Mas supomos que seja algo mais, porque sabemos que um AVC na idade dela é muito invulgar. Por isso os exames vão continuar até que aprofundemos o diagnóstico. – Falou o médico pacificamente olhando-a nos olhos.
- E como é que ela está?
- Esperemos que fique melhor, ou pelo menos estável. Por enquanto encontra-se em estado de coma superficial, estamos a lutar para que não venha a precisar das máquinas se entrar em coma profundo.
- Oh, meu Deus…

sábado, 20 de outubro de 2007

Capítulo 11

Dream beneath a desert sky

Eve e Joana tiveram um almoço calmo conversando um pouco sobre coisas banais. Bevin não saiu do quarto, como era de esperar, mas conforme Eve disse, a birra não ia durar muito mais do que aquilo.
Era uma Quinta-feira, a ultima do mês, e segundo ela, haveria reunião do condomínio no prédio, enfim, para tratar de assuntos pendentes sobre as obras feitas recentemente no elevador, e as telhas que foram colocadas para reforçar o combate contra o Inverno rigoroso que estava à porta. Evelyn não tinha vontade nenhuma de tratar dessas burocracias que só a obrigavam a pagar umas massas extra para pagar as reparações. E o facto de se juntar durante meia hora com as vizinhas do andar de cima fazia-a ficar com pele de galinha.
Joana ofereceu a sua companhia mas Eve garantiu que esta ficaria a descansar um pouco, e assim decidir se no dia seguinte deveria ir a um médico ou não. Ela pensou que a perda de memória fosse algo relacionado com algum choque ou acidente que tivesse acontecido e era sempre mais seguro fazer alguns exames. Joana concordou, embora um pouco assustada com a hipótese de perder para sempre a memória da sua vida. Será que havia pessoas que a procuravam por aí? A ideia fazia-lhe calafrios e sentiu-se novamente sozinha, mesmo na companhia de Evelyn.
- Queres tomar um banho? Deves estar a precisar e talvez te faça relaxar. – Pergunta Eve levantando a loiça da mesa.
- Hum, talvez seja isso que esteja a precisar. – Ou não deveria ser necessariamente mas relaxar ajudaria.
Esta tentava despachar os copos e as canecas que estavam amontoados na banca. Passava um esfregão rapidamente neles para haver espaço para a restante loiça. Duas pessoas não sujavam assim tanto mas a pequena banca já estava sobrecarregada até cima antes de Joana lhe pegar.
- Oh, não, não te preocupes com isso! – Disse-lhe ela afastando-a para o lado enquanto colocava mais uma pilha de pratos em cima do monte. - Então… a casa de banho fica já à direita. – Informou Eve apontando para a porta. – As toalhas estão debaixo do lavatório e podes vestir algo meu se quiseres, no meu quarto, procura lá. – Depois de largar tudo de maneira a não cair encostou-se à bancada de frente para ela.
Joana esboçou-lhe um sorriso rápido enquanto secava as mãos ao vestido. Depois saiu num passo rápido procurando meia alheia o quarto de Eve, ou melhor, o seu quarto.
Evelyn riu-se distraída e sacou um maço de tabaco do bolso. Não era apenas um banho que a fazia relaxar.

***

Ivone aplicou o batom cor-de-rosa. Depois olhou-se no espelho e colocou de imediato um pouco de blush. De seguida olhou para a face redonda e rosada, e apostou num tom violeta para as pálpebras. Estava pronta. Passou rapidamente uma escova no cabelo e enrolou à volta dos pulsos um molho de pulseiras. Agora sim.
O Sol matinal entrava pela janela do quarto. As cortinas opacas e pesadas haviam sido repuxadas para os lados a fim de deixar entrar toda aquela aragem pela manhã. Não era hábito Ivone fazer aquilo, mas queria sentir-se especialmente fresca e confiante naquele dia, e nada melhor que uma boa dose de luz para acordar.
António já estava a trabalhar, mas por aquela altura a tasca não tinha muito movimento, pelo que Ivone falou que era preferível saírem cedo do que depois terem de aguentar as queixas dos clientes quando apenas uma pessoa, a filha mais velha do casal, se encarregava do negócio na hora de ponta.
Marília Costa tinha apenas 17 anos, mas tinha desistido dos estudos há já um ano, quando era repetente por 4 anos consecutivos. Depois de andar todo esse tempo a passear os livros da escola para casa e vice-versa, chegou à conclusão que havia de se safar muito melhor se fosse para o mercado de trabalho. Era jovem e desenrascada, não haviam de faltar oportunidades. Agora era ajudante de cabeleireira no salão de beleza da tia, e de vez em quando dava uma ajuda no café dos pais. Tinha uma vida social fora disso mas arranjava tempo para tudo. Depois havia Jorge, um rapaz de 12 anos que mal parava em casa depois das aulas. A bola dentro da mochila era o essencial todos os dias para que tudo corresse bem!
Era assim a vida daquela singela família. Todas as alegrias, desgraças, especulações eram todas geradas em torno do pequeno bairro onde habitavam juntamente com outras famílias semelhantes.
***

Joana entrou na casa de banho pela primeira vez. Estava tão húmida e gélida como o ambiente lá fora. Pela primeira vez sentiu que toda ela assim o estava também.
Pousou o monte de roupa em cima do tampo da sanita e tratou de tirar duas toalhas do sítio que Eve mencionou. Pousou-as em cima do lavatório. Levantou o olhar e deparou-se consigo reflectida no espelho. Endireitou-se e olhou mais atentamente. Era jovem, bastante. Mas não aparentava ser muito mais do que Bevin, pelo menos fisicamente. Era baixa e magra. Mais baixa do que magra. Tinha cabelos loiros esticados e escalados dos ombros até meio das costas. Vergava um vestido azul atlântico com um decote recto e simples com mangas curtas. Os braços desciam pelo corpo, esguios e brancos como neve, tal como todo o resto. Considerou-se uma rapariga bonita… mas não se considerava um “eu” a sério, apenas via uma desconhecida reflectida no espelho.
Suspirou enquanto desapertava o vestido. Sentiu um arrepio na espinha quando este deslizou e caiu no chão aos seus pés. Foi então que viu algo no espelho a brilhar junto ao seu peito. Era um fio prateado com qualquer coisa brilhante pendurada. Pegou nela com a ponta dos dedos. O pequeno coração de prata fazia-se maravilhar aos seus olhos confusos. Olhou com detalhe quando pensou ter visto algo gravado nele. Um “J”. Rodou a pequena medalha para poder ver a gravura. Estava escrito, “Um gesto para o amor eterno.” Com letras muito pequenas.
- Um gesto para o amor eterno… - Murmurou entre dentes abanando a cabeça.
A frase não estava escrita em Inglês. Mas percebia-a. Mas não lhe dizia absolutamente nada. Como é que isso era possível? E o “J”, poderia ele indicar alguma coisa? O seu nome talvez, e isso já era um grande passo, pensou.
Desapertou o fio com um certo cuidado e pousou-o ao canto do lavatório.
Entrou na banheira a tremer, matutando no assunto. Tinha um enigma para decifrar. Era algo que a fascinava de facto, enigmas, mas este era deveras assustador. Abriu a torneira, abstraída de tudo à sua volta. O chuveiro por cima da sua cabeça cuspiu uma corrente de água fria tão repentina quanto foi o impulso de fugir dela.
***

Carla saiu de manha cedo. Marcavam oito e um quarto no seu pulso e já se aposentava no consultório médico. Aquele era um espaço grande, arejado e luminoso. Muito bem-parecido. Olhava em volta enquanto o copo de café fumegava em cima da mesa. Supunha que fosse aquele o pequeno-almoço de todo o pessoal que havia ficado com o turno da noite.
Bastava ficar umas horas retida num hospital para se habituar àquele ritmo e hábitos. Não que essas horas bastassem para se sentir familiarizada com tudo aquilo que a rodeava.
Não devia de faltar muito para completar nove anos desde a morte do marido. Cerca de dez anos e meio desde que lhe foi diagnosticado cancro num pulmão. E tudo isso apenas 3 anos depois de Sofia nascer. Pobrezinha, mal conheceu o pai.
Miguel foi o pilar que sustentou Carla. E estava-lhe eternamente grata por tudo, mesmo ainda com um enorme buraco no coração pela sua morte tão prematura. Miguel foi um ombro amigo, fiel e sempre presente. Miguel foi seu marido que a aceitou e acolheu com uma criança pequena e sem pai. Miguel foi quem lhe proporcionou um lar e uma família. E ela amara-o, tanto quanto foram as lágrimas derramadas no momento da despedida. Mas seguira em frente. Joana tinha seis anos e Sofia três. As duas não mereciam que a mãe também desaparecesse do seu alcance, por isso sempre esteve lá, de corpo e alma. Se até ao momento Miguel fora os seus alicerces, então a partir dali ela própria seria os alicerces das suas pequenas.
E ali estava, de novo para enfrentar algo que ainda não sabia bem o que era, mas impossível de não se esperar o pior. E no mesmo lugar. Deu para concluir que não mudou muita coisa. Um lugar de opressão e dor e onde a esperança já se foi. Mas também onde as vidas de toda a gente eram reconstruídas à medida que o tempo passava, dentro naquelas paredes verde mentol. Podiam passar meses ou ser apenas uma questão de minutos que tudo virava de pernas para o ar.
- Desculpe a demora.
O homem entrou de rompante fazendo Carla parar de torcer um papel e dar um salto na cadeira.
- Estive agora com a sua filha. – Sentou-se à sua frente e baixou os óculos de leitura. - Carla Novais, certo?

domingo, 23 de setembro de 2007

Capítulo 10

Capítulo 10 - Let me bring you where two roads meet
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Enquanto Sofia e Carla se entregavam ao seu momento íntimo, Elsa olhava para tudo um tanto emocionada perdida nos seus pensamentos.
- É melhor irmos embora. Já não estamos aqui a fazer nada… - Disse ela quase paralisada.
O velho nada disse. Nem tinha como ir para casa. A sua vontade era ficar ali mesmo.
- Eu vou só buscar as minhas coisas e acompanho-o a casa. – Disse ela logo desaparecendo no meio das pessoas.
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Eve e Joana entravam agora no elevador. Aquele cubículo abafado com uma iluminação fraca. Uma das paredes estava coberta com um espelho. Joana exaltou-se quando viu a sua imagem reflectida nele. Respirou fundo conformada com o facto de nem sequer reconhecer a sua figura.
O cheiro a perfume feminino misturado com o odor de animais domésticos fazia-lhe náuseas e sentia a cabeça a andar à roda, como se não bastasse tudo aquilo com que se tinha deparado naquele dia. Ou com quase nada. Infelizmente.
Evelyn reparou na sua expressão de rosto mas nada disse. Carregou no botão e ambas subiram em silêncio até ao 9º andar. Eve empurrou a porta pesada e deu passagem a Joana.
- Para cima. – Indicou ela.
Subiram algumas escadas até a uma porta. Eve tocou à campainha.
- Não moras sozinha? – Pergunta Joana de imediato.
Sem dar tempo a Eve responder, alguém do outro lado abriu a porta devagarinho. Uma rapariga de cabelos ruivos escorridos espreita pela abertura. Fica parada a olhar estranhamente para Eve e Joana, especialmente para Joana, obviamente. A rapariga começou a sentir-se incomodada quando Eve falou:
- Vais deixar-me entrar na minha própria casa, ou não?
- Não me disseste que trazias visitas. – Disse ela parada no mesmo sítio. A sua voz era estridente e muito infantil. Fazia lembrar um cântico de uma criança de 5 anos. – Entrem, entrem!
- Obrigada. Moça, esta é a Bevin. – Disse Eve a Joana. – Vive comigo há mais de dois anos. Não neste apartamento, claro, mudámo-nos para cá há pouco tempo…
- Olá. – Disse Joana sorrindo.
- Olá! – Saudou a rapariga. Aparentava ter uns 15 anos no mínimo, mas Joana sabia que isso era impossível. Vestia uma túnica branca de mangas compridas quase até aos pés que lhe fazia lembrar um vestido de noiva. Mesmo que meio fantasmagórico. Os cabelos densos e luminosos caíam-lhe pelo corpo abaixo fazendo o rosto dela ficar ainda mais pequeno e angelical. – O meu nome é Bevin! Significa “senhora da melodia doce”, inspirado numa deusa celta.
Enquanto Bevin contava as origens do seu nome com orgulho e inspiração Eve fez uma careta a Joana que a fez conter o riso.
- Espantoso! – Disse Joana com entusiasmo enquanto olhava para Evelyn que continuava a fazer-lhe sinais.
- Eu acredito na reencarnarão e que isso tenha alguma coisa a ver com o meu passado distante, sabes? A origem do meu nome e… - Bevin virou-se para trás pressentindo Evelyn apanhando-a em flagrante. Lançou-lhe um olhar fulminante carregado de raiva, como se um anjo virasse diabo de um momento para o outro. Depois apanhou um caixote do chão e desapareceu por uma porta dos fundos.
- Desculpa isto… ela é muito temperamental! – Diz Evelyn revirando os olhos e abanando a cabeça de impaciência.
Joana encolheu os ombros. Olhou um pouco ao que a rodeava. A casa era bastante simples. As paredes eram um cinzento quase branco. No hall, por trás de porta de entrada encontrava-se um móvel sobrecarregado de velas de cheiro, chaves e panfletos espalhados. Mesmo por cima estava um espelho por onde Joana voltou a espreitar de relance. No outro lado seguia-se um corredor corrido por uma carpete gasta. O chão era de linóleo escuro e brilhante. Ao fundo havia uma porta entreaberta que Joana pensou ser a casa de banho. À sua direita havia outra entrada de onde saía uma certa claridade, era a cozinha. De resto não havia muito mais do que aquilo. Os quartos, eram três, e estavam alinhados em portas fechadas.
- Bem, penso que podemos ver os quartos depois, não é? Não vai ser preciso agora… ficas o tempo que quiseres, ou quando te sentires confiante e assim, piras-te… faz como quiseres! A casa a partir de agora passa a ser tua também, usa-a quando precisares! – Disse Eve enquanto ambas entravam na sala de estar, que era na outra ponta do corredor.
- Mas… afinal, eu estou cá temporariamente ou… não? – Pergunta Joana hesitante.
Eve encosta-se à ombreira da porta e olhou pensativa para o chão. – Eu já te disse, nós as duas vivemos cá sozinhas… tu também não tens lugar para onde ir e ainda temos aquele mistério da amnésia para descobrir! – Pensou durante algum tempo enquanto Joana se familiarizava com o espaço. - Se quiseres ficar por uns tempos não me importo… A Bevin também não… ela gosta de companhia às vezes! Mas tens que ter um certo cuidado com ela…
Joana olhou para Evelyn. Estava demasiado calma para o que acabara de dizer. Realmente não percebeu bem onde queria chegar, mas rapidamente se esqueceu disso.
Evelyn, sabia lá Joana porquê, disponibilizou-se demasiado rápido a ajuda-la. Mesmo assim, ainda se sentia estranhamente sozinha e esquecida no tempo. Era um pensamento muito perturbador, mas sentia-se melhor na companhia daquelas duas mulheres. Não imaginava sequer como teria sido se Eve não estivesse ali naquele momento… Ou nada teria sido por acaso?
Sem pensar mais nisso, Joana lá conheceu o seu quarto. Evelyn levou-a até lá. Realmente, Joana estranhou o facto de o espaço estar demasiado cheio e vivo para a receber daquela maneira. Parece que já havia sido usado recentemente.
- Este vai ser o meu quarto?
- Sim, podes ficar aqui.
- É um quarto de hóspedes, ou assim?
- É o meu quarto. Agora é teu.
Joana não queria acreditar. Evelyn achou-a na rua como uma mendiga, levou-a para sua casa, deixou-a ficar lá e disponibilizou o seu quarto, a sua cama, as suas coisas! O que era aquilo? Em que planeta aterrou, afinal?
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- É aqui.
Já fazia noite. Elsa encolheu-se no banco olhando para onde os máximos do automóvel conseguiam iluminar. Depois olhou para o seu acompanhante.
- Você vive aqui?
- Parece que sim…
Voltaram-se novamente.
- Obrigada, pela boleia. – Disse ele. Em silêncio, desaperta o seu cinto de segurança e abre a porta.
- Se amanha estiver disponível podíamo-nos encontrar. – Diz Elsa antes de o homem ir-se. Depois olhou novamente para a velha casa e parou para respirar.
Ele continuou imóvel, debruçado do lado de fora.
– Para conversar sobre a Joana e enfim, outras coisas que sejam necessárias. – Falou ela.
Ele assentiu e não se mexeu.
– Às três pode ser? Aqui? – Ele tornou a assentir. - Gostaria de saber o seu nome… para o poder tratar de alguma forma… - Diz Elsa numa troca de olhares.
- Então, amanha às três. Cá esperarei. Adeus.
Elsa esperou até o velho entrar em casa. Depois dessa pausa muda, fez marcha atrás e retomou a sua viajem até ao seu apartamento matutando sobre tudo aquilo que acontecera naquele dia.
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Bevin não voltou a sair do seu quarto até ao meio-dia, quando resolveu arrastar-se até à cozinha para beber chá e atazanar o juízo de Eve, que a tentava ignorar. Depois voltou a rastejar para o seu cubículo. Enquanto Evelyn espreitava alguma coisa dentro do forno Joana sentou-se numa cadeira e mordiscou um pão continuando sempre a fazer perguntas obtendo sempre uma resposta descontraída e no mesmo tom.
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Carla engoliu o comprimido com três goles de água seguidos. Depois voltou para o seu quarto.
- Importas-te que eu fique aqui? – Pergunta Sofia quando Carla entra. Tinha os cabelos soltos e meticulosamente escovados. Encostada na cama com a almofada no colo, sob a luz débil do abajur, Sofia seguiu a mãe com o olhar.
- Claro.
Carla retirou a sua almofada do guarda-fatos e colocou-a num canto da sua cama ao mesmo tempo que se deitava sobre ela, sem se cobrir.
- Conta-me, o que se passa nessa tua cabecinha desta vez? – Perguntou Carla num fio de voz calorosa e fraca.
- Ah, não é nada. Vim apenas fazer-te companhia… - Responde a rapariga ajeitando a travesseira também e deitando-se ao lado de sua mãe, sobre a colcha desfeita, sem se cobrir.
- Está bem.
Carla fecha os olhos lentamente mesmo que o sono teimasse a não vir.
- Mãe, só nos resta esperar, não é? Só podemos esperar. – Pergunta Sofia desperta.
- Sim, apenas esperar. – Responde a outra calmamente.
Sofia também fechou os olhos à medida que se ia acalmando gradualmente. Carla continuou a dispersar o sono. O vento fazia os cortinados ondularem levemente deixando entrar no quarto uma brisa muito subtil embalando as duas. Quando se apercebeu que o comprimido nunca faria efeito, caminhou até à janela aberta e olhou para a noite seca e privada que havia lá fora. Estava lua cheia.

domingo, 26 de agosto de 2007

Capítulo 9

Capítulo 9 - Kingdoms rise, and kingdoms fall, but you go on...and on...

- Tu moras aqui? – Pergunta Joana.
Eve assentiu. – Não gostas? São a primeira construção em altura da Irlanda! Tem elevadores e tudo! – Falou Eve rindo-se do seu próprio sarcasmo barato.
- A primeira?
- Sim, parece que depois de toda a Europa concluir que viver por cima dos vizinhos não era uma boa ideia, a Irlanda resolveu fazê-lo. E aqui está! – Evelyn apontou para uns enormes prédios que surgiam à sua frente. Meia dúzia de torres, ou um pouco mais até, espalhavam-se por um recinto plano sem árvores ou espaços verdes. Joana achou tudo muito abatido e sem cor.
Ambas subiram o resto da rua e seguiram por uma estrada mais estreita. Por entre muros altos cobertos de musgo as pedras da calçada guiavam-se muito desorganizadas pelas curvas íngremes.
- Então, conta lá miúda, quem és?
Evelyn pontapeou uma pedra. Esta bateu na parede e voltou para junto dos pés de Joana.
- Diz-me tu. – Joana voltou a chutar o pedregulho com mais força.
- Quem é que queres que eu te diga quem tu és?
- Tu é que sabes! Tu é que me encontraste! – Respondeu Joana rispidamente.
Eve parou e olhou para Joana com ar de riso. A expressão dela não era nada animadora. Evelyn soltou uma gargalhada e continuou.
- Do que te ris? – Joana já não gostava da conversa. Estava irritada. Ficou parada no mesmo sítio enquanto Eve pontapeava mais pedras.
- Tens piada. – Responde Eve entre risos.
- Tenho? Engraçado… não estou a achar piada nenhuma! – Respingou ela passando-lhe à frente e continuando a caminhada sozinha.
- Ei, para onde vais? Tens sítio para onde ir? Sabes o caminho? – Eve correu logo a seguir.
Joana sentiu uma vaga de medo a instalar-se nela. Sabia que não tinha sítio para onde ir... Pensou o quão terrível isso lhe parecia. Fechou os olhos com dificuldade porque sabia que num ápice se encheriam de lágrimas. Esforçou-se para se lembrar de alguma coisa.
- Vá lá, não precisas de ficar assim. – Diz Eve limpando uma lágrima que deslizava pela cara. – Vamos para minha casa. Lá podes pensar com mais calma.
- Como é que é possível? Eu não me lembro de nada! – Joana soluçava e ao mesmo tempo limpava as lágrimas com ambas as mãos.
- Também não sei, mas agora estamos metidas nisto juntas! – Disse Eve tentando acalmar Joana. Mostrou um sorriso e passou o braço pelas suas costas.
Seguiram caminho juntas enquanto Evelyn conversava sobre o sítio onde morava e algumas das desgraças que aconteciam em sua casa. Joana distraiu-se por fim, e pôde aproveitar um pouco da sua nova paragem em Dublin.

***

- É ela! – Exclama Sofia debruçando o olhar para além do vidro alto da porta. – É ela!
- É. – Consentiu o velho sentindo um nó no estômago. Engoliu em seco. É mesmo ela. E não tinha indícios de melhoras… pelo menos continuava a dormir.
- O que é que ela tem? – Pergunta Sofia desequilibrando-se do alto das suas pontas dos pés. – O senhor sabe o que aconteceu? – Pergunta ela de seguida recompondo-se.
- Não sei o que lhe deu. Estava com ela quando simplesmente desmaiou à minha frente!
- À sua frente? Então de onde conhecia a minha irmã? – Sofia olha novamente de relance para dentro do quarto, como se certificasse que ela ainda estava lá.
- De lado nenhum, mas se eu te disser tudo, estrago a surpresa que ela tinha para ti! – Disse o homem olhando para o mesmo sítio que Sofia.
A rapariga encarou-o. Tinha um sorriso miudinho estampado nos lábios. Não estava a sorrir de felicidade mas Sofia percebeu que havia algo por trás de tudo aquilo. Os dois pequenos olhos azuis e luminosos voltaram-se para ela de novo.
– Não percebo… - Diz Sofia confusa.
Eram só os dois que se encontravam naquele corredor, e mais uma mão cheia de portas fechadas. Estava tudo quieto. Qualquer som seria abafado pelo barulho dos carros circulando na auto-estrada fora das paredes do hospital, mas até isso lhes parecia muito distante. Agora os dias de Verão tinham uma morte vagarosa. A luz enérgica daquele dia passado custou a ir-se embora, mas o sol já não batia tão intensamente nas vidraças.
O velho deu meia volta ao sentir algo a pesar-lhe no ombro esquerdo. Sofia fez o mesmo.
Elsa estava agora entre os dois. Espreitou igualmente pela janela e esboçou um sorriso conformado e triste na sua expressão. Sofia e o homem não estavam minimamente preocupados com o facto de terem sido apanhados, desta forma já poderiam ter acesso a alguma informação com a médica do lado deles. E ela sabia também como prosseguir.
- Sofia, a tua mãe já saiu e está lá em baixo à tua espera, ela vai precisar de conversar contigo, pode ser? – Disse Elsa levando-os dali para fora. Passou amavelmente a sua mão pelos cabelos castanhos de Sofia. Essa era uma das poucas diferenças físicas entre ela e Joana.
Sofia era uma rapariga destemida. Nada lhe metia medo nem havia obstáculos de género nenhum. Se há muita gente que diz que não gosta de conversa fiada ela é a que leva isso mais a sério. A curiosidade e a energia sempre foram as suas melhores armas. O dom da palavra também sempre a acompanhou e Joana era um bocado o oposto de tudo isso. Ela não se guiava pela intuição, mas sim pela lógica das coisas. Sempre fracassou mais que Sofia nos assuntos a que toca a sentimentos e pensamentos que viajam na nossa mente sem serem convidados. Tudo isso para ela era uma tortura no qual para Sofia era puro divertimento. Não ter respostas para questões não era de todo o que Joana mais gostava. Contudo, ambas eram inseparáveis. O facto de não se compreenderem ajudava a resolverem os problemas alheios, unidas. Mas tenho a dizer que nem sempre dava certo.
- Ela vai contar-me tudo? Já sabe o que tem a Joana, não sabe? – Pergunta Sofia.
- Sim. Precisas de ir ter com ela agora… vais ter de ser forte, está bem? A tua mãe vai precisar muito de ti a partir de agora! – Disse Elsa quase faltando-lhe a voz. Tentou não assustar demasiado a moça, mas o que disse pareceu-lhe ter saído do sítio mais obscuro de si própria. O pior que a profissão lhe podia dar era isso mesmo. Nem sempre é fácil lidar com as desgraças alheias, muito menos numa situação em que a vida de alguém está nas nossas mãos. Embora o caso de Joana não lhe estivesse entregue agora sentia-se responsável por aquela família. E mais uma vez pareceu-lhe estar na função errada.
- Doutora, eu peço-lhe por favor que me diga tudo o que tem a dizer, aqui e agora! – Implorou Sofia colocando-se mesmo diante da médica. Esta ficou estupefacta com a sua resistência. Nada disso era esperado. – Sei que a minha mãe nunca me vai dizer tudo! A Joana corre perigo de vida? O que aconteceu? – Pergunta ela com uma voz estridente.
Os seus olhos brilhavam com fervor. Elsa olhou-os para além do verde. Não era revolta nenhuma, Sofia apenas queria saber a verdade. Isso não a surpreendeu. Deu um passo atrás e pousou a sua mão no ombro dela.
- Eu vou contar-te o que sei, está bem? Nós também não temos a certeza de nada… ainda é cedo de mais para haver um diagnóstico completo. – Elsa começa. Os três retomam viagem para o piso inferior. – Mas suspeitamos que seja um AVC. É muito raro com a idade que ela tem, mas o facto de ela ter tido uma recaída repentina pode ter também sido uma baixa de tensão e isso pode ter causado distúrbios a nível cerebral.
Sofia olhava para Elsa como se tentasse captar algo importante, e era isso de facto. Ficou muito quieta ouvindo a médica a falar do que sabia, e depositou toda a confiança no que por si só era uma tragédia.
- Isso quer dizer que o mais certo é a Joana ficar com lesões, quando acordar, e…
- Não, calma, é provável sim, mas ela neste momento tanto pode acordar como se nada fosse como ficar com mazelas graves… Mas temos que pensar que tudo vai dar certo, ok? O tempo o dirá! Nâo te preocupes com isso, está bem? – Falou a médica olhando para Sofia tentando sossegá-la.
- O tempo neste caso é vulnerável, vocês sabem disso, é tudo uma questão de tempo! Uma questão de segundos e tudo se pode perder, não é assim? - Sofia falava rápido num olhar distante como se tudo estivesse ensaiado.
- Sofia, as coisas estão a decorrer normalmente, o que te leva a pensar que devemos reforçar os esforços? - Perguntou Elsa a sorrir.
- Porque a minha irmã está lá dentro há horas e eu ainda não consegui perceber o que raio se passa com ela! Porque é que ninguém faz nada? Estivemos lá à pouco e ela simplesmente estava sozinha, você viu isso e não fez nada também! Porque é que ainda ninguém percebeu o que ela tem de mal? Pensei que num hospital o ritmo fosse diferente, sabe, tudo se descobrisse num ápice e se partisse para uma fase seguinte! Não é assim que está a acontecer… eu apenas quero saber porquê…
Elsa envolveu o seu braço à volta dos ombros de Sofia ficando bem próxima dela.
- Fazemos assim, logo que eu saiba alguma coisa eu contacto-te e falamos acerca disso, ok? Compreendo perfeitamente as tuas dúvidas, mas eu agora tenho de te deixar com a tua mãe. Tu também precisas dela, ou não?
- Claro… - Falou Sofia pouco convencida. “Mas porque é que nunca ninguém me diz nada?” Pensou ela.
Os três regressaram ao caos sem dizer mais nenhuma palavra, mas todos ainda tinham muitas dúvidas a pairar na cabeça. Duvidas… isso é normal… mas não quando algo não está devidamente explicado e claro.
Carla torcia um lenço de papel nas mãos enquanto pensava no que dizer a Sofia. Meu deus, como isto a apanhou de surpresa! Quando as coisas corriam sobre rodas tinha de vir isto para descarrilar a sua vida…
Sofia apareceu ao fundo das escadas e olhou para a mãe temendo o que viria a seguir. Deu dois passos trémulos incentivados por Elsa que aguardava junto do velho.
Carla avançou correndo para os braços da sua filha mais nova. Abraçou-a tão forte que os problemas pareciam ter sido expelidos suavemente deixando-as como se fossem as únicas pessoas no mundo. Mas a realidade voltou a recair quando Carla viu os olhos de Sofia e se lembrou de Joana. Tinha de aguentar tudo, era a única saída possível!

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Parabéns!

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Não podia deixar passar este dia sem felicitar o nosso adorado guitarrista! É verdade, completa 46 anos hoje! Façam berreiro, gente, porque ele merece!
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Edge nasceu a 8 de Agosto de 1961 na orla oriental de Londres. Filho de pais galeses que se mudaram para a Inglaterra recém casados, pretendendo formar família lá. The Edge era apenas um pequeno rapaz chamado Dave Evans quando ele e a sua família passaram para o outro lado do mar Irlândes e aí estiveram o resto da sua vida. Edge era um rapaz muito inteligente e bonito até à altura em que a sua cabeça e dentes começaram a crescer de uma maneira desconforme. A sua cabeça ganhou uma forma bastante peculiar e os dentes, apenas os dois da frente, faziam lembrar um pequeno castor. Não se assustem! Ele era adorável! Mas a sua aparência mudou muito e, a sua forma de ser também. Chegou então o dia em que Dave conheceu os seus amigos com quem formou uma banda aos 15 anos de idade. Ele era um adolescente tímido e um pouco estranho que adorava as novas tecnologias e passava o tempo com o seu irmão Richard (o Dick) no barrcão do jardim a fazer experiências com explosivos! Era um apaixonado por guitarras e havia construído uma, com a ajuda do seu irmão mais velho. Não havia dúvidas que iria ser o guitarrista dos U2, mais tarde nomeado com esse nome.
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Bom, tenho a dizer que muita coisa mudou desde que ele e os seus amigos se lançaram por completo no mundo da música. The Edge, uma alcunha mais tarde adoptada, sabia que o seu lugar seria ali e era onde ele se sentia realmente bem.
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O Edge é...
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- O cientista da banda!
- O homem do som e dos lindos solos.
- O melhor guitarrista do mundo, não só pelos seus conhecimentos no mundo na música mas sim na sua maneira de tocar tão criativa e única!
- Aquele que perdeu o cabelo ao longo das décadas mas é um homem extremamente charmoso e fofo!
- Aquele capaz de nos proporcionar dos melhores momentos que uma pessoa pode passar a ouvir musica!
- Aquele fashion que usa All Star.
- Aquele que consegue reunir um enorme e espantoso grupo de fãs!
- O santo homem que aturou as manias do Bono, incluindo o facto de já lhe ter passado pela cabeça que era melhor guitarrista que o Edge! -.-
- Aquele que tem uma voz maravilhosa! (e umas mãos também!!)
- O homem que nunca deixou de acreditar nas suas capacidades quanto guitarrista e enfim... é isto que se vê!
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Parabéns e mais anos de boa música, se faz favor!

terça-feira, 31 de julho de 2007

Capítulo 8

Capítulo 8 – Never in company. Never alone

Elsa Queirós saiu do consultório por volta das quatro e meia. Tinha o resto do dia livre mas decidiu ficar mais um pouco numa tentativa de amenizar as coisas. Percorreu os corredores agitados do departamento das urgências em direcção à pequena sala onde deixou aquele estranho homem sozinho. Sentia-se ansiosa e não sabia o que fazer com ele. Estivera sozinha com Carla apenas alguns minutos, mas foi o suficiente para perceber o seu estado de nervosismo e ignorância no meio de toda aquela história. Não sobrou tempo para lhe falar do sujeito desconhecido que se encontrava com a filha desaparecida, mas tencionava apresentá-los. Elsa sabia que era um caso delicado, por isso fez questão de controlar tudo à sua maneira. Por uns breves momentos pensou estar no local errado a exercer a profissão errada… talvez se saísse melhor num tribunal qualquer a decidir à toa o futuro dos outros. Juíza? Que anedota! Mas sim, o espírito de liderança era um dos seus fortes. Agora tinha de pensar em alguma coisa rapidamente!
Agarrou firmemente a maçaneta e rodou-a. Ficou imediatamente desapontada quando viu a sala vazia. Sentiu-se uma idiota por ter pensado que ele esperaria ali por ela. Passou a mão pela cara e riu-se. Já devia ter percebido que não seria nada fácil.

***
O velho segurou com força o papel em suas mãos enquanto percorria os corredores do 3º piso. Caminhava sem saber para onde se dirigia. As únicas coisas que lhe restavam eram um punhado de má sorte e a ficha de identificação de Joana. Pensou que o facto de a ter roubado dos arquivos do hospital seria mais um motivo para problemas, e se calhar se estivesse ficado quietinho à espera de ordens não o colocaria numa situação pior da que já estava. Mas o que estava a fazer? Percorrer os caminhos do hospital à procura de uma paciente não era das coisas mais sensatas que podia fazer por ele… e por ela. A sua presença com certeza não iria mudar nada. Além de estar a ir contra as regras. Mas se isso o pudesse levar até Joana simplesmente, já compensava por tudo. Já nada poderia piorar a sua situação nesta história infeliz, por isso foi em frente.

***
Sofia devorou o último pedaço do seu oitavo Kit Kat daquela tarde. Era isso que fazia quando estava nervosa, comia chocolates! Também não tinha ideia da quantidade de cafés e garrafas de água que bebera. As moedas já se tinham esgotado, só lhe restava agora conter-se e esperar mais uns minutos por notícias. Carla encontrava-se a falar com o médico responsável por Joana, por isso estavam dentro no consultório há uma eternidade… Só desejava sair a correr procurar a irmã e assegurar-se de que estava bem. Enquanto amarfanhava impacientemente o plástico olhava em volta e esperava alguma resposta. Tinha consciência que naquele momento tão precoce ninguém a tinha. E tudo isso não era apenas por causa de Joana. A imagem daquele sujeito também não lhe saía da cabeça. Como era possível fazer-lhe lembrar tanto uma pessoa? E ele teria alguma coisa a ver com o caso de Joana? Sofia abriu um aglomerado de questões na sua cabeça que só um pequeno passeio poderia aliviar toda a tensão. Levanta-se e atira o plástico para dentro de um caixote do lixo junto às escadas. Parou e olhou em redor. As pessoas estavam demasiado atarantadas para repararem nela… O balcão da recepção estava vazio. Voltou a dar uma olhada para o cimo das escadas. Pensou que se fosse dar uma espreitadela lá em cima não faria mal nenhum… Passou por trás de uma planta que estava ao lado dos degraus e num arranco subiu-os a correr.

***
- Para onde vamos?
- Para onde vais tu?
- Não tenho nenhum destino em especial, e tu?
- Eu não sei onde estou…
Eve voltou a olhá-la com o seu olhar fogoso. Ergueu o sobrolho e apontou para o seu casaco que balançava para trás e para a frente nos ombros de Joana.
- Sabes uma coisa, isso está a fazer-me muita falta neste momento, vê se o vestes imediatamente senão arrependo-me de tudo o que fiz por ti esta manhã!
Joana obedeceu.
Ambas caminharam lado a lado durante pelo menos dez minutos sem trocarem nenhuma palavra. O Sol tentava dar sinais de vida por entre as nuvens cinzentas e ameaçadoras mas estas pareciam mais determinadas a manter o dia fechado. Joana seguia Eve pelos sítios onde passavam tentando lembrar-se de algo, mas não conseguia familiarizar-se com nada de Dublin. O nome não lhe dizia nada e nem a própria língua lhe inspirava confiança. Em alguns cantos já se avistavam pessoas e o comércio da zona despertava para um novo dia de trabalho. Joana não sabia o que pensar acerca de tudo aquilo, porque também parecia a primeira vez que raciocinava na vida. Sentia que algo de importante lhe falhava…
Ouviu Evelyn a cantarolar algo enquanto caminhava uns passos à sua frente. O seu corpo era esguio e devia ser pelo menos uns 15 centímetros mais alta que Joana. Os caracóis loiros oscilavam de um lado para o outro ao ritmo das passadas largas. Joana quase como por instinto passou a mão pelo seu cabelo. Era liso, completamente liso e caía-lhe pelos ombros descendo até meio das costas. Era igualmente loiro mas com leves madeixas mais escuras e não tão reluzente como o de Eve.
As pessoas atiravam alguns olhares indiscretos às duas raparigas que percorriam agilmente pelo meio de um jovem dia, ainda um pouco retardado. Joana não sentia isso. Ela é que estava retardada no meio de tudo aquilo. Eve parecia não se incomodar com nada e agia como se não estivesse acompanhada. Joana perguntou-se se Evelyn sabia que ela a seguia ou se estava verdadeiramente ciente de si. Olhou em frente e encontrou a resposta. Ela é que não sabia nada de nada!
***
Os rapazes entraram silenciosamente no armazém encoberto e adormecido, exactamente como o tinham deixado na noite passada. Adam entrou depois de todos os outros e fechou o portão. Pendurou as chaves num chaveiro de latão e seguiu-os até ao ponto de referência daquele local. A decoração do sítio era escassa e pouco sintonizada. Havia um velho e corroído sofá acompanhado por uma poltrona de couro e uma mesa desdobrável de plástico no centro, onde todos se reuniam à sua volta. Naquela época recreativa também não podia faltar um gira-discos, muito gasto mas aproveitável. Pouco mais existia ali além disso. Junto ao sofá encontravam-se duas guitarras eléctricas e uma baixo, alguns amplificadores caseiros e um kit de bateria havia sido empurrado para o canto do espaço, e ali jazia ele sumptuoso, brilhante – mudo. Aquela era a pouca área “viva” do antigo armazém de têxteis de Dublin. Pouca luz conseguia ultrapassar os vidros espessos e sujos dos respiradouros situados no alto das suas cabeças. E a pálida manhã só entrava, ainda dificilmente, pela placa transparente que cobria o edifício abandonado. Bom, não tão transparente como se pensa do lado de fora.
Paul pousou os sacos das compras e procurou algo dentro deles. Contornou a mesa e sentou-se na berma do cadeirão, abrindo uma lata de refrigerante.
- Porque é que insistes trazer o teu pequeno-almoço contigo em vez de o tomares em casa? – Pergunta Dave pegando na sua guitarra habitual.
Paul não respondeu. Levou a lata à boca e sentiu o sabor adocicado daquela bebida levemente gasificada.
Larry arrastou a bateria para o meio de modo a que todos se pudessem colocar nos seus lugares à frente dela. Adam deu uma mãozinha de ajuda e de seguida ligou o seu baixo ao amplificador.
- Porque tenho demasiada pressa ao sair de casa. – Disse Paul por fim.
- Depois temos de esperar por ti… vai dar ao mesmo! – Larry procurou as suas baquetas pelo meio de uma autêntica bola de fios eléctricos.
Dave dava uns retoques necessários na afinação da sua guitarra. Sabia que cinco minutos mais tarde precisaria de repetir o processo novamente, mas quanto a isso não se podia fazer nada. Larry andava às voltas com as suas baquetas que se estavam a fazer de tímidas desta vez e Adam tentava entender-se com o amplificador, mas por vezes era difícil acertar contas com um aparelho tão primitivo como aquele. Mas todos amanhavam-se com o que tinham, tal como Paul amanhava-se com a sua primeira refeição do dia.
- Salta daí, senhor conde! – Exclamou Adam batendo nas costas do amigo. – Estamos à tua espera, Bono Vox!
Paul olhou para cima e vislumbrou a cara sorridente de Adam.
- Pessoal, não encontro as minhas baquetas!
***
- Bom, estás satisfeita agora, Ivone?
- Não.
António e Ivone abandonavam agora o edifício e regressavam a sua casa. António ainda se encontrava incomodado com o que acabara de fazer. Mas pior que isso seria mesmo contrariar Ivone.
As ruas do Porto estavam um pouco agitadas. O trânsito completamente parado nos sítios mais problemáticos no que toca a movimento. Era esse o ambiente natural da cidade. Comércio, trânsito e pessoas, muitas pessoas.
- Já viste tudo o que tinhas para ver! Não há nada de suspeito na casa. – António tentava parar a paranóia da sua esposa.
- Sabes que há. Estiveste lá como eu e viste o que eu vi. Sabes muito bem que aquela casa é tudo mesmo normal.
- E o que tens a ver com isso? O que vais fazer?
- Não vou fazer mais que a minha obrigação… sabes como eu sou!
***
O chão do corredor era branco e lustroso e estava completamente livre para Sofia poder avançar sem medo. Era fim de tarde mas o sol ainda iluminava tudo claramente pelas extensas vidraças viradas para a auto-estrada. O hospital era inteiramente um caos num edifício só, pensava Sofia até ao momento em que entrou naquele patamar. Estava deserto e meticulosamente arrumado e desinfectado. Podia-se sentir o cheiro a limpeza. Achou no mínimo estranho não haver nada nem ninguém por aqueles sítios. As portas apresentavam todas um pequeno vidro no alto no qual se podia espreitar para o seu interior. Sofia fazia questão de o fazer. Em cada espaço atrás das portas havia pouca coisa para ver. Tudo era limpo e igualmente arrumado. E nada mais além de uma cama e alguns aparelhos electrónicos que se ligavam directamente aos doentes. Sofia apercebeu-se da terrível situação e quase chorava só de pensar em Joana. Decerto que não estaria no sítio certo. Estava prestes a dar meia volta e ir embora quando pressente algo a trás de si. É o barulho de uma porta! Sem pensar duas vezes corre até ao fim do corredor e vira à sua esquerda antes que alguém a descobrisse. Rezou para que quem quer que fosse não a visse ali. Fechou os olhos com força e encostou-se o mais que pôde à parede. Cravou as unhas na carne das palmas das mãos e esperou. Tudo ficou silencioso como dantes. Abriu novamente os olhos.
- Olá!
O coração da rapariga quase saiu disparado do seu peito. Sofia deu um pulo quando viu um homem a sorrir-lhe com todos os dentes da sua boca. Foi o que vira à um tempo atrás no consultório da doutora Elsa. Sorriu envergonhada e nervosa e colocou as mãos atrás das costas como se escondesse algo.
- Olá! – Respondeu ela no mesmo tom de voz. Nunca ficara tão embaraçada na presença de alguém. Talvez fosse do susto que apanhara. Sorria, mas tremia por todos os lados, como se estivesse na presença de alguém superior.
- Tudo bem? – perguntou ele. – O que fazes aqui?
- Sim… - Não! A outra pergunta, estúpida! - Quer dizer… eu acho que estou… perdida e… hum…
- Andas à procura da tua irmã?
- Ya! – Hei! Pára com os trimeliques, miúda! Ele sabe de tudo! – Mas como é que…
O senhor de cabelos grisalhos ri-se baixinho. – Calma. Eu já te conto tudo. Queres encontrar a Joana ou não?
- Sim… é claro que quero! – Falou ela estava pouco convencida. – O senhor sabe onde ela está?
- Tenho o mapa! – Responde ele com ar glorioso mostrando o papel diante do olhar de Sofia.
- Como é que…
- Shhh… - O homem encostou o dedo aos lábios. – Fala baixo… - sussurrou ele sorrindo levemente. – Não queres que nos descubram, pois não? Já te disse que te conto tudo depois. - Estendeu-lhe a mão. – Anda.

sábado, 7 de julho de 2007

Capítulo 7 - Segunda Parte

Capítulo 7 – Won’t you come back tomorrow?
Segunda e Última Parte

- Isto vale uma pipa de massa! – Exclamou Ivone vagueando pelo pequeno estúdio.
- Ainda estou para perceber qual é a tua intenção.
- Olha-me só para este mostrengo... – diz Ivone sorridente pressionando nas teclas do piano.
O som agudo do instrumento ecoou por toda a sala e espalhou-se pelo corredor da entrada. António fechou a porta atrás de si.
- Quem é que é capaz de viver no meio desta balbúrdia? – Pergunta ele incrédulo caminhando pelo meio dos quadros.
- Isso vim eu cá saber! – Responde Ivone sentada diante da secretária completamente coberta de papéis e alguns envelopes fechados.
Decide pegar num. Devidamente fechado. Ao princípio mal conseguiu ler o que lá estava escrito e depois compreendeu porquê. Estava escrito em Inglês. Um Inglês correcto escrito numa caligrafia um pouco rabiscada de mais. Aliás, toda a papelada em cima da escrevaninha estava escrita à mão e em estrangeiro.
- O que é? – Pergunta António aparecendo por detrás de Ivone.
- Cartas, montes de cartas! Sem fim, olha só! – Ivone remexe no meio da desordem e pega num monte de envelopes fechados. – Estão todas por ler!
- Ou todas por enviar.
- Consegues decifrar? – Pergunta ela fazendo baloiçar o envelope diante dos olhos de António. – Está em Inglês.
- Querida, eu mal percebo a nossa língua, que fará a língua dos outros! – responde ele atirando a carta de novo para o monte.
- O que é isso? – Pergunta Ivone apontando para uma pequena caixinha que António segurava nas mãos.
- Ah... acho que é uma harmónica. – Responde ele abrindo-a.
O pequeno objecto metálico brilhava dentro da caixinha avermelhada, como uma pérola na sua concha. Era sem dúvida uma harmónica. Parecia novinha em folha. António voltou a fechá-la e pousou-a cuidadosamente em cima do piano.
Voltou-se para trás e não viu Ivone em parte alguma da sala. Deu mais meia volta e reparou numa porta entreaberta e avançou.
- Olha o que eu encontrei. – Diz ela.
Estava sentada na berma de uma cama num quarto bastante espaçoso. Havia uma manta repuxada para um fundo da cama e Ivone despejara a gaveta da mesinha de cabeceira para cima da colcha.
- Só sabes desarrumar!
- Olha.
Ivone entregou a António uma fotografia.
- Achas que é ele?
António olhou para o jovem da foto. – Parece-me que sim...
- Caramba, cada vez acho que o conheço de algum lado! Não sei... faz lembrar alguém!
- Olha, há aqui outra. – Diz ele pegando numa pequena figura a cores um pouco desbotadas. – Deve ser ele com o seu grupo de amigos, não te parece?

***
Larry caminhava ligeiramente à frente do grupo. Ia cabisbaixo e não tinha falado nada desde o pequeno percalço de à pouco. E não era só ele. Paul estava completamente a leste do assunto de conversa de Adam e Dave.
A manhã estava mais fresca que o normal. Havia começado o Outono à pouco e as aulas regressaram também na Mount Temple para a maioria dos jovens de Dublin. Mas não era por isso que os The Hype deixavam de tocar. Muito pelo contrário, a sua agenda estava mais sobrecarregada que nunca. Desde a última actuação que não deixaram de “chover” convites por parte de discotecas e bares da zona. Tinham bem a consciência que a sua fama era cada vez maior e o seu nome bastante divulgado pela cidade. Para quatro rapazes que cresceram nas entranhas de Dublin esse facto era electrizante e quase paralisante, mas muito animador saber estabeleciam um contacto muito forte com o seu público de cada vez que actuavam. Aliás, não eram apenas quatro... havia o Dick. O irmão de Dave que comparecera ao seu lado desde o primeiro dia. Bem, nem sempre estava presente, digamos antes assim. Apesar de ser o único no grupo que já não frequentava a escola tinha muito pouco tempo para a banda dado que a maior parte das vezes eram só os restantes quatro que faziam o trabalho de ensaio. Dick só se limitava a aparecer nas actuações com a sua guitarra e tocar juntamente com os outros. Por isso, toda aquela vivência de grupo e de trabalho de equipa era vivida com Paul, Larry, Adam e Dave. Larry chegou a perguntar-se muitas vezes se Dick fazia parte dos The Hype ou não, ou se era apenas um acompanhante e ajudante de audiências. Na verdade, a banda nem necessitava de outro guitarrista, Dave saía-se bastante bem.
O grupo subia a O’Connel Street um pouco calado, o que não era habitual. Normalmente era uma valente confusão quando se juntavam todos. Tinham sempre motivo de conversa e chacota e já para não falar nos assuntos dos The Hype que tinham em conjunto. Naquela manhã fria e húmida sentia-se uma atmosfera um pouco tensa no ar que os manteve um pouco distantes durante a curta viagem até ao cimo da avenida.
Paul apertou o casaco até cima e encolheu os ombros tiritando de frio quando acompanhou os amigos a atravessarem a rua. Aquela era a velha cidade de Dublin que ele bem conhecia. Juntou as mãos em forma de concha e respirou uma lufada de ar quente fazendo uma nuvem de fumo branco escapar-se-lhe por entre os dedos. Olhou para as árvores estáticas e despidas plantadas no meio da estrada e perguntou-se como iria estar a sua voz para o ensaio depois daquele momento tão resfriante. Uma porcaria, como já estava habituado!
Não muito longe dali, Joana aceitava o casaco da sua nova amiga passando-o pelos ombros. Ficava-lhe um pouco largo mas não fez caso.
- Onde estamos? – Pergunta ela levantando-se apoiada em Eve.
- Acordaste em plena O’Connel Street na manhã mais fria do ano com apenas um vestidinho de Verão no corpo! Eu tinha logo morrido de hipotermia! – Exclama Eve acendendo um cigarro por entre as mãos. – Detesto o frio. É por isso que moro na Irlanda, entendes?
- Não.
Evelyn MacBrennan queimou literalmente metade do cigarro com uma só passa. Olhou para Joana com desprezo por detrás dos olhos vermelhos e inchados. Libertou todo o fumo dos pulmões devagar que formou uma nuvem cinzenta sobre as duas cabeças.
- Como te chamas? – Perguntou Eve olhando para os pés quanto caminhava.
Joana não respondeu logo. Estava a tentar habituar-se à ideia que estava num lugar desconhecido. Podia ser uma questão de segundos, mas não. Não se lembrava de todo como se chamava.
- Não sei. Não me lembro...
Evelyn soltou um gritinho perverso fazendo os olhos brilharem de excitação. – A noite deve ter sido mesmo muito louca para nem sequer te lembrares do teu próprio nome!
- O quê?
Joana olhou incrédula para Eve que se ria descontroladamente.

Fim do Capítulo 7

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Capítulo 7 - Primeira parte

Capítulo 7 – Won’t you come back tomorrow?
Primeira Parte
Ivone esboçou um largo sorriso de contentamento ao baixar o auscultador do telefone. Desapertou com agilidade o avental do corpo e atirou-o para um cadeirão verde e poeirento no canto da sala. Apresentou-se à frente do espelho da entrada e arranjou os caracóis com as mãos satisfeita com a sua descoberta, e que lhe saíu bastante barata, por um acaso.
- António, vamos dar um passeio, querido! – diz ela dando os últimos retoques na roupa.
- Tás doida? – pergunta ele incrédulo aparecendo no corredor. – Temos trabalho a fazer! Não estamos com tempo para passeios!
- Deixa, o café fica por conta da miúda! – diz ela rispidamente. – Vamos lá!
- Tudo bem... – diz ele com pouca convicção voltando para dentro. – Então, onde queres ir?
- Dar uma voltinha pelas redondezas...
Ambos moravam no apartamento restaurado que ficava por cima do seu negócio. Aquele era um bairro muito típico do Porto e o mais antigo também. Não era zona muito apreciada pelos visitantes, talvez pela crueza dos habitantes e costumes reservados apenas aos mesmos. Toda a gente se conhecia lá, e por isso a uma nova cara já era motivo para se comentar e por vezes levantarem-se suspeitas e boatos que originavam olhares desconfiados. Talvez por essas pessoas viverem num mundo tão à parte. Outrora havia sido um bom lugar para se viver. O rio Douro brilha a poucos passos das casas e situa-se num bom lugar com vistas lindíssimas.
Passava pouco das três horas quando Ivone e António deixaram a casa e o café por conta da sua filha mais velha. Ivone estava mais que decidida a descobrir a história que o velho deixou por contar. A história escondida por detrás dos pequenos olhos azuis empolgantes. Por isso levou o marido com ela à primeira oportunidade que viu.
A tarde aquecia cada vez mais. O Sol já se posicionava ligeiramente para a esquerda o que já era bastante bom porque fazia alguma sombra em alguns sítios. António parou alguns passos atrás de Ivone e olhou para o beco odiondo e cinzento onde se encontravam. Não havia nada além de paredes altas e um pequeno e triste edifício que parecia deslocado do espaço.
- Tens a certeza que é esta a casa? – pergunta António seguindo a esposa receoso.
- Sim, a minha irmã disse-me que viu a ambulãncia aqui mesmo. Só pode ser esta a casa. – informou Ivone avançando sem medo.
- Como estás a pensar entrar? Olha que alguém ainda nos apanha, Ivone!! – alertou o pobre homem.
A mulher empurra a porta entreaberta e entra. Fugindo dos aglomerados de lixo amontoado nas escadas sobe-as rapidamente até chegar ao primeiro e único andar. António segue-a lentamente prestando mais atenção às palavras obscenas escritas a tinta nas paredes.
- E se estiver alguém lá, Ivone? Não podemos fazer isto, mulher, estamos a invadir a privacidade de uma pessoa! - O que estás a dizer? – pergunta ela voltando-se para o marido. – Quero só saber notícias da rapariga e dar algum apoio moral ao senhor! Não sejas tolo mas é!
***
Carla não sabia como tinha sido capaz de conduzir o carro se nem sequer sentia as pernas. As mãos tremiam-lhe e estava a suar por todos os lados. Sofia não falou nenhuma palavra durante o trajecto inteiro. Limitou-se a olhar para o lado da janela enquando a mãe passava semáforos vermelhos e ignorava os outros condutores que businavam indignados e confusos. Pensava nas mil e uma coisas que podiam ter acontecido à irmã mas não tinha coragem de pôr a hipótise de lhe acontecer algo de grave. Carla estaciona desajeitadamente o automóvel no parque do hospital. Saem as duas e atravessam a correr por entre os carros. Ao chegar à entrada do edificio aceleram o passo. É então que empurram as pesadas portas de madeira, para uma nova dimensão.
***
- Como pudeste verificar, não está ninguém em casa, por isso vamos embora daqui. – diz António pela segunda vez a Ivone que permanecia imóvel em frente à porta do velho.
Pensativa, passou a mão pelo queixo e olhou à sua volta. Não havia nada ao seu alcance a não ser paredes corridas num pequeno corredor estreito.
- Calma, homem. Só quero verificar que está tudo bem.
António estava confuso. Cruzou os braços e esperou.
- Sabes, as pessoas, por muito que saibam que é óbvio demais esconder a chave debaixo do tapete de entrada... – fala ela abaixando-se diante da porta. - ... nunca deixam de o fazer.
António arregalou tanto os olhos que parecia que lhe iriam saltar das órbitras. Ivone saca uma pequena chave de metal por de baixo do tapete gasto da soleira da porta e fa-la dançar diante dos seus olhos, vitoriosa.
- Fantástico! – exclamou o homem ironicamente. – Vamos embora.
- E se... – falou Ivone metendo a chave na fechadura.
- Oh... não Ivone!
- Sim! – contradisse ela rindo-se.
- Acabo de conhecer o teu lado mais demoníaco, e não estou a gostar nada!
Ivone riu-se ainda mais quando a chave rodou com facilidade e a porta deixou entrar alguns raios de luz para o corredor escuro. O coração de António disparou quando viu a mulher a espreitar para lá do vão da porta.
- Tens de ver isto, maridinho! – disse ela entre gargalhadas.
- Grande apoio moral que estás a dar...
***
O velho deixou que a água deslizasse livremente pela garganta e desfrutou ao máximo daquele pequeno prazer. Pousou o copo vazio na secretária e voltou a sentar-se.
- Não sabe que nestas alturas se deve beber muita água para não desidratar? – resmungou a moça observando-o cuidadosamente.
- Eu costumo beber muita água. O tempo é que não ajuda nada... – grunhiu ele passando as mãos pelo cabelo molhado.
- Por isso mesmo! Bom, deixando isso de parte, quero saber mais pormenores de como tudo aconteceu! Os enfermeiros que o acompanharam afirmaram que não sabia muito bem o que se tinha passado a Joana partindo do princípio que nem sequer a conhece... como foi ela parar a sua casa?
- Não é bem assim... Eu quis ajudá-la a tratar do seu poster e por isso levei-a para minha casa. Na verdade, eu encontrei-a na rua perdida.
- Sim. – consentiu. – Nós contactamos com a mãe dela e ela estava muito aflita por nem saber onde ela estava. Sabe que isso pode trazer confusão para o seu lado.
- Sim, sei disso tudo! Sei disso desde o primeiro instante que estive com ela, mas que queria que fizesse eu? Agora essas circustancias não me incomodam e nem sequer alteram a situação em que a Joana está! A única prioridade neste momento é ela, certo? A propósito, deviam-se preocupar primeiro com ela não comigo. – disse ele um tanto irritado.
A mulher riu-se delicadamente e chegou-se à frente olhando-o directamente nos olhos.
- A Joana já está sobre observação. Agora, aqui podemos tratar dos assuntos menos relacionados com ela. Olhe, eu compreendo a sua posição, e por isso quero ajudá-lo.
A sua voz doce mas directa entuou nos seus ouvidos como uma melodia. Ela sorriu levemente e deixou a sua mente ainda mais baralhada do que já estava.
- Agradeço imenso a sua disponibilidade, a sério! – disse ele levantando-se de retorno à saída. – Mas não preciso agora de defensores! Sei bem o que faço e quais as minhas intensões!
A médica levanta-se de rompante e impede a passagem do velho.
- Não fuja de mim! – ordenou ela puxando-lhe o braço.
O homem não se queria deixar levar pelo cântico enfeitiçador da sua voz mas retrocedeu.
A porta abriu-se de rompante sem aviso e Carla entrou pelo consultório seguida de Sofia.
- Hum... boa tarde, sou a mãe da Joana e... – balbucionou Carla procurando alguém dentro da sala.
- Sim, sim! Falamos lá fora! – disse a médica conduzindo-a para fora do consultório.
Sofia ficara.
O homem reparou o quanto era parecida com Joana. O olhar curioso e imperdoável por dirigir uns olhos tão verdes e grandes quanto possível não faziam só recordar Joana. Sabia que estava mais alguém relacionado com as duas...
Carla puxou Sofia para fora fazendo esta rodopiar desajeitadamente.
O velho viu-se finalmente sozinho. Já não aguentava mais aquilo! Bateu ruidosamente com o punho num armário e tentou explusar toda a raiva que sentia. Como é que podia conhecer a rapariga se nem sequer se conhecia a si próprio?
Fim da primeira Parte

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Capítulo 6

Nem vale a pensa dizer nada... após um mês sem postar, esta desavergonhada vem agora pôr pra aqui uma caganita de capítulo!? XD
Bem, espero que gostem! Acho que está a ir pelo bom caminho!


Capítulo 6 – Where the Streets Have no Name

Joana tentou a todo o custo encaixar as peças na sua cabeça. Estava completamente baralhada quanto àquela estranha situação. Uma súbita ventania levanta-se naquele lugar que fez rodopiar as folhas secas depositadas nos cantos dos passeios. Joana também se viu obrigada a segurar-se para não caír. Os longos cabelos cor de ouro voaram violentamente em todas as direcções em protesto de sua fúria.
O rapaz ainda lá estava. Vestido num blusão de cabedal parecia muito bem conjugado com o ambiente daquele dia. Joana olhou para ele. Tinha um olhar intenso mas agradável. O rosto era magro e um pouco sarapintado com sardas. O cabelo era espesso e preto e caía sobre a testa, completamente despenteado. Joana achou curioso. Parecia um misto de sinistralidade com um certo humor.
Mas Joana ainda sentia a cabeça andar à roda juntamente com o estômago quando o ouviu babulciar qualquer coisa que não conseguiu decifrar.

***

O velho com um impulso conseguiu subir para a ambulância num lugar da frente. Ele guiaria-a até Joana, uma vez que não havia morada concreta da sua casa. Estava inquieto e um pouco envergonhado.
O veículo arrancou a toda a velocidade pela rua acima fazendo um berreiro de todo o tamanho. Os enfermeiros e pessoal de auxíliar iam fazendo perguntas no qual lhe custava responder. Na verdade ele não conhecia Joana, não sabia quem ela era nem de onde veio. Isso era o bastante para se sentir culpado de tudo.
Afundou a cara nas mãos e limpou o suor. Inspirou fundo.

***

Ivone Costa e António estavam nas traseiras do café quando a ambulância partiu. Desempacotavam algumas garrafas e traziam-nas para dentro. No meio da balbúrdia, Ivone falou ao marido:
- Reparaste na pronuncia estranha do homem?
- De quem? – Pergunda António distraído com o trabalho.
- Do homem de há bocado! – responde a mulher.
- Devia ser estrangeiro, ou então era do sul, sei lá. – diz ele sem levantar o olhar.
- Achei-o muito estranho e suspeito, juntamente com a história que ele contou da menina. Então ele nem sequer sabia onde morava?! – diz Ivone ao marido.
- Deve ser novo cá. Nunca o vi por estas bandas.
- Nem eu... – concorda ela pensativa.
- O que estás a a tramar, mulher? – pergunta ele empilhando mais um monte de cervejas a um canto.
- Tenho de tirar esta história a limpo.

***

Joana apercebeu-se da terrivel realidade. Não estava apenas a sonhar. Tudo aquilo era bem real. E não estava sozinha.
Tentou proteger os seus braços gelados da ventania que se fez sentir. Apercebe-se também que a rua é muito mais larga e longa do que pensara quando a olhou de relance. Ainda estava sentada e queria-se levantar mas assustara-se com os quatro vultos que se atravassavam em sua frente.
- Hã... It’s everything fine... with you? – repete o rapaz de preto chegando-se mais perto.
- Do you need something? – pergunta um outro rapaz de de franjas douradas, tão compridas que chegavam a espetar-lhe nos olhos.
Joana sentiu-se como se tivesse andado numa montanha russa.
Eles eram quatro e já os conseguia ver nitidamente. Pareciam ter saído de algum filme de acção ou algo não menos caótico que um desastre de automóvel. Os rapazes estrangeiros olhavam para ela com a mesma expressão confusa.
Joana queria responder algo mas não lhe saía nada da boca.
Chegando do nada, alguém enterrompe o confronto de olhares com uma voz imponente. Nem deu tempo de Joana responder.
- Vamos lá bazar daqui! Saiam, a moça está comigo!
Joana desviou o olhar. Uma mulher, uma aparente jovem mulher, agachou-se à sua frente e olhou-a nos olhos com frieza.
- Trouxe-te isto! – Disse ela enfiando-lhe um pequeno saco de papel nas mãos. – Deduzi que tivesses fome... como deves ter ficado a noite ao relento!
Ela falava num inglês corrente que Joana mal compreendia. Tinha uns cabelos encaracolados, não muito compridos num loiro quase cegante. Os olhos eram cor de mel muito bem disfarçados pelas carregadas olheiras roixas pingadas no rosto sem cor.
- Thank you. – respondeu Joana envergonhada olhando para dentro do saco.
- O meu nome é Evelyn. – disse ela. – Mas podes tratar-me por Eve.

***

A maca onde Joana repousava rolava agilmente pelo chão liso e brilhante dos corredores das urgências. O pequeno homem seguia os médicos e todas aquelas pessoas que rodeavam a moça numa tentativa de perceber alguma coisa do que falavam. Perdido que nem um passarinho agarrava com fervor na mala de Joana procurando em alguma coisa onde se agarrar. Estava esgotado.
Áquela hora não se podia sequer pensar em entrar naquele hospital. Mesmo no centro da cidade, era para onde se dirigiam a maioria dos casos mais graves e delicados de toda a região. Haviam pessoas atarantadas por todo o lado e em todos os cantos permanecia alguém tentando circular no meio de todo aquele cenário turbulento.
Surgindo de uma porta, uma mulher bonita avança ao encontro do senhor. Era morena com uns cabelos castanhos muito compridos e toda vestida de branco chamou à sua atenção. Sorridente e com um olhar muito sereno pegou na sua mão delicadamente e conduziu-o de retorno à saída.
- O senhor é o que acompanhou a rapariga na ambulância, não é?
- Sim. – Respondeu ele deixando escapar uma gota de suor que escorreu rapidamente até ao pescoço.
- Venha comigo por favor. Vamos falar um bocado sobre si e sobre a menina Joana. – disse ela num tom de voz muito calmo que deixou o homem ainda mais nervoso.
Ela conduziu-o para uma pequena sala do outro lado do hospital. Por lá as coisas já estavam muito mais tranquilas. A jovem entra e fecha a porta atrás de si depois de deixar o homem acompanha-la também.
- Ora, então quem é o senhor? – pergunta ela escondendo-se por detrás da sua secretária. – Pode sentar-se, por favor.

***


- Fica descansada filha, eu vou num instante ver o que se passa e depois volto!
Arrumou a carteira no ombro e calçou as sandálias à pressa.
- O que disseram ao telefone? – pergunda Sofia.
- Encontraram-na. Deu entrada agora no hospital e... ainda não sabem o seu estado, apenas encontra-se inconsciente. – explicou Carla entre suspiros. - Não saias de casa! – ordenou ela abrindo a porta.
- Vais deixar-me sozinha sem saber o que se passa com a Joana? Acho que tenho o direito de...
- Vamos!
Saíram as duas a correr para o hospital.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Dia de festa!

Novo capítulo? Infelizmente, não, mas estou a trabalhar nele. Bem, estou aqui a escrever por uma razão: Porque hoje é um dia especial!
Foi a dia 10 de maio de 1960, em Dublin, que um rapazinho quase cor-de-rosa veio ao mundo. De seu nome Paul chegou para revolucionar as nossas vidas juntamente com a sua banda de rock mais tarde formada. Hoje, com 47 anos acabados de fazer, ainda continua a surpreender todos os fãs e não fãs por cada passo que dá.
Não há palavras que possam descrever por completo este homem tão extraordinário, quase-quase cor-de-rosa, mas todos os que o conhecem bem sabem do que falo.
Feliz Aniversário Bono! Esperemos ver-te por cá por muitos e longos anos cheios de alegria, amor, emoções fortes e muuuuita música! Dois grandes beijos para o meu Irish Man quase-quase-quase cor-de-rosa!





PS: Agradecimentos à Adri Soul Love da UV que deixou eu postar a assinatura dela do fórum!! BEIJÓ!!

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Capítulo 5

Running to Stand Still

A tentativa de reanimação não tinha resultado. Desapontado e um ainda mais aflito, o homem tentou encontrar algum contacto de alguém na bolsa que Joana trazia consigo. Desesperado despeja o conteúdo da mala para o chão e procura no meio dos papéis alguma solução. Mas nada parecia bater certo ali. Todo aquele cenário para ele era estranho e inútil para a sua angústia em deixar partir aquela rapariga, que permanecia ali tão serena e divina repousando no seu sono proibido. Calmamente, demasiado até, senta-se ao seu lado. Pega na sua mão e beija-a.
- Onde estás tu? – pergunta baixinho ao seu ouvido.
Acaricia a sua pele mais uma vez. Tão macia.
- Quem és tu, meu anjo? – questiona ele de novo tentando perceber quem era a rapariga que lhe tinha surgido do nada naquele dia tão solitário.
Ela parecia iradiar luz. Fez lembrar-lhe uma deusa pronta a ser adorada. Talvez fosse mesmo isso que estava a ser para ele naquele momento. Uma lágrima escorreu-lhe pela face. Outra. Sem saber porquê nem como estava a chorar. Por ela.
De súbito, lembra-se do estado da menina e volta a verificar a pulsação. Não tinha melhorado nada. Não não sabia o que fazer mais. A sua vontade era ficar ali a olhar para ela, tão sublime, mas sabia que isso não iria resolver nada.
Apressou-se. Abriu o velho guarda-fatos e tirou uma manta grossa. Com esperanças que isso fosse reanimar Joana passou o cobertor por cima dela e aconchegou-a. Depois disso chegou perto dela e beijou-lhe na testa.
- Aguenta-te aí. Eu venho já, minha querida.

***

Carla segurava trémula no telemóvel enquanto aguardava a resposta. Sofia, do lado dela, esperava também numa pilha de nervos.
- Então? – pergunta ela puxando o braço da mãe.
- Espera. Eles disseram para aguardar.
Carla volta a ouvir a voz do outro lado da linha:
- Está?
- Diga-me se a minha filha deu entrada no hospital, por favor.
- Pela descrição e o nome que me deu, não deu entrada de ninguém neste hospital.Tente saber noutros.
- Está bem, obrigada. Fique com o meu contacto, caso seja preciso. Boa tarde.
Sofia puxa Carla até um banco ali perto e sentam-se as duas.
- Tenta outros. – pede Sofia.
Carla pega novamente no telemóvel e marca outro número. Espera.
- Hospital São João. Boa tarde, o que deseja dos nossos serviços?
- Boa tarde. Seria possível saber se deu entrada de alguém no hospital esta manhã?
- Claro. Percisamos dos dados pessoais dessa pessoa.
- É a minha filha. Ela está desaparecida desde hoje de manhã. Tem 16 anos e o nome dela é Joana Novais.
- Aguarde só um pouco...
Carla esperou uns instantes segundos até que a voz regressa.
- O nome não consta na nossa lista, mas também acho um bocado cedo para a senhora procurar a sua filha nos hospitais. Se ela só desapareceu hoje então aconselhava esperar mais um pouco.
- Esperar? Como é que eu posso apenas esperar? Se ela não regressou a casa por algum motivo foi, não acha?! – disse Carla descontrolada. Sofia pega na sua mão.

***

O homem sentiu uma lufada de ar quente mal passou a porta para o exterior. Não tinha notado que dentro de casa estava muito mais fresco do que aquele dia fora das quatro paredes. Mas também não fez caso. Estava agora muito mais alerta a uma cabine telefónica ou estabelecimento que lhe pudesse atender num momento de imergência e aflição.
Correu. Correu o mais que o seu corpo lhe conseguisse dar. Ironicamente, agradeceu pelo bom físico que tivera na sua juventude. Nunca antes pensou que toda a sua vida empolgante e fora do normal que tivera no passado lhe poderia dar tanto jeito num momento como aqueles.
Não se preocupou com mais nada a não ser em Joana. Como não conhecia grandes sítios daquela zona então limitou-se a guiar-se por intuição. E não era nada mau nisso, diga-se de passagem.
O fôlego começou a falhar-lhe e as pernas já só corriam submetendo-se apenas ao pensamento. O calor tornou-se uma forte barreira para seus passos determinados. Gotas grossas de suor começavam a escorrer-lhe pela cara e pescoço e sentiu a t-shirt ligeiramente molhada. Assim continuou firme. Avançou por entre as casas, ruas e quarteirões desertos que pareciam infinitos.
Completamente estafado chega a um largo onde encontra à sua esposição uma dúzia de pequenos cafés e tascas, típicos da zona baixa do Porto. Veio a calhar. Depois daquela descarga de energia louca, quase nem conseguia manter-se em pé. Agarrou-se à parede mais próxima e foi quase como às apalpadelas até conseguir entrar no primeiro estabelecimento que viu mais próximo.
A pequena taberna naquele momento alujava apenas meia dúzia de pessoas, ou nem tantas cabiam naquele espaço apertado. Áquela hora era mais propício a presença de alguns mendigos que arranjavam uns trocos e conseguiam comprar umas míseras refeições à hora do almoço. Fora esses, poucos sentavam-se nas mesas redondas a jogar cartas ou a beber cervejas solitários.
A zona do outro lado do balcão estava deserta. Ao fundo da tasca, uma mulher de cabelos ruivos, sentada numa cadeira assistia a um jogo de futebol pela televisão quando repara no velho a entrar de rompante por lá dentro. Surpresa, ela arrasta-se nos chinelos de quarto e vai ao encontro do homem exausto e ofegante.
- Credo! O senhor está bem?! Precisa de alguma coisa?? – pergunta ela ajudando-o a sentar-se.
O velho nada respondeu. Precisava de instantes momentos para se recompor e explicar a situação. A mulher olhava para ele sem expressão por detrás da camada excessiva de maquilhagem na cara.
- Quer um copo de água ou assim?! – pergunda ela. – Ó António!!! Chega um copo d’água p’ra este senhor! - gritou.
- O que foi, mulher??! – pergunta um homem pondo a cabeça para fora da porta de acesso reservado aos funcionários.
- Vai buscar um copo d’água! Este senhor não se está a sentir bem!! Anda rápido pá!
O sujeito desaparece ainda mais rápido por onde apareceu. Num instante regressa com um copo nas mãos, caminhando o mais que consegue sem fazer trasbordar a água.
- Dá cá! – pede a mulher dando a água ao velho.


***

- O que fazemos? – pergunta Sofia desapontada.
- Não faço a mínima ideia. Como é possível eu sentir-me tão inútil nesta situação? – pergunta Carla limpando o suor da cara.
- Junta-te ao clube! – resmunga Sofia pontapeando as pedras que se atravessava no seu caminho - Acho que o que temos melhor a fazer é irmos para casa e esperarmos por notícias ou que ela chegue, com certeza que há uma explicação.
- Sim, vamos. – disse Carla pouco convencida.

***

- Ele não disse o que tinha? – pergunta o senhor da taberna à mulher.
- Não! Entrou-me por aqui a dentro neste estado... – responde ela como se a presença do velho não fosse significativa.
- Eu vim pedir auxilio – diz por fim ele.
Toda a atenção vira-se para o homem que já respirava calmamente.
- Vim a correr de minha casa até aqui porque preciso urgentemente de uma ambulância! – exclama ele levantando os seus olhos inchados para o casal à sua frente.
- É p’ra si?! – pergunta a mulher dando uma cotovelada ao marido. – Vai buscar o telefone!
O homem volta a desaparecer num ápice pela porta dos fundos.
- Não, não é para mim! – responde. - É para uma rapariga que está neste momento incosciente. Ela desmaiou do nada à cerca de meia hora atrás, e não sei o que se passou com ela. Julgo eu que é grave...
Sem ninguém reparar, duas lágrimas rolam pela sua cara abaixo. – Ajudem-na, por favor!
- Porque é que não chamou logo o INEM?
- Porque não tenho telefone em casa.
A mulher olhou-o estranhamente de cima a baixo. Nunca o tinha visto antes por aquelas bandas. Soava-lhe estranho a maneira como ele falava.
O homem da tasca rapidamente regressou com um telemóvel nas mãos e deu-o para a mulher. Ela marca o 112 e espera.
- Diga-me só a sua morada. – pede a Mulher.
O coração do homem parou.
- A minha morada?! – pergunta ele trémulo.
- Sim, o endereço!
- Bem, eu sei indicar-lhe o sítio mas...
- Estou?! Precisamos d’uma ambulancia para socorrer uma pessoa que está inconsciente! – diz ela pelo telefone.
A morada? Morada... o velho não fazia ideia do nome da rua nem do número da porta. Raios! Nada! Assim como ia ajudar a localizarem a casa?! Como foi capaz de esquecer-se de um pormenor tão importante?! Algo de muito estranho se passava ali...
– Diga-me a sua morada! – insiste a mulher mais uma vez.

***

Joana, muito longe de se poder integrar na situação tão caótica que se vivia por sua causa, deixava-se levar por um sono profundo. Não apenas um mero sono profundo de um recém-nascido. Também não estava literalmente morta. Talvez perto disso. Mas podemos dizer que, apesar do seu estado insconsciente vivia momentos nunca antes imaginados e talvez nunca mais recordados. Sentia-se livre espiritualmente, o que era um senimento deveras agradável. Divino. Viciante. Tinha a mente completamente vazia. Como se tivessem passado uma toalha branca sobre ela. Nenhuma parte do corpo se parecia encaixar na outra. Estava imóvel mas não propriamente parada.


24 de Setembro de 1977

Joana sentia o corpo durido. Tinha o braço dormente. Provavelmente estava deitada sobre ele. Sentiu um arrepio pela a espinha abaixo e estremeceu. Ouviu passos junto ao ouvido. Sussurros aproximando-se.
Luz. Raios de luz intensos invadiram sem piedade a sua vista quando tentou abrir os olhos. Reclamou de dores nas costas e ouviu vozes de pessoas, desconhecendo completamente onde estava. Também não sabia de todo o que fazia ali nem como. E o estado em que se encontrava também ainda lhe parecia estranho.
As vozes pareciam não querer deixa-la em paz. Abriu-se ali uma grande confusão à sua volta. Estava irritada consigo mesma e com quem não a deixava dormir.
Abriu os olhos, ainda dificilmente. Estava na rua. Mais concretamente no meio do passeio deitada sobre um degrau junto a uma porta. Tentou apoiar-se só num braço enquanto afastava os cabelos da cara. Esfregou os olhos e respirou fundo a brisa fresca que lhe atravassava as ideias. Sentia a sensação de vazio e na mente conseguia-se desenhar um ponto de interrogação questionando a sua existência.
Conseguia ver o outro lado da estrada. Algumas portas direccionadas para a rua com slogans publicitários por cima. De repente, vindo do nada uma cara atravessa-se no seu plano de visão. Assusta-se e sustêm a respiração. O rapaz parecia ainda mais confuso do que ela própria e sentiu-se encomodado com a reacção de Joana. Tinha uns pequenos olhos azuis brilhantes e um cabelo completamente desalinhado que parecia rodopiar no alto da sua cabeça. Os finos e demarcados lábios rasgavam um aparente rosto jovial de adolescente irreverente e sonhador.

domingo, 1 de abril de 2007

Capítulo 4

Olá a todos! Sim, é desta que vou postar o capítulo 4! Quero pedir-vos desculpas pelo atraso! Mas, sabem como é, pouca inspiração no ar, e depois eu penso que foi dos capítulos mais complicados de escrever. Tinha de ter todo o cuidado para a coisa não descambar para o outro lado e vocês não compreenderem. Bom, aqui está ele novinho em folha. Boa leitura! E obrigada.
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I’m getting ready to leave the ground

O relógio de parede marcava a uma e meia da tarde. O quadro estava quase pronto, mas o que preocupava sériamente Joana é que ia demorar eternidades a chegar a casa, até porque, não tinha ideia de como chegar para casa, na verdade. A sua mãe devia estar preocupada e isso inquietava-a. Um telefone dava mesmo jeito naquele momento. Joana não parava de se merterizar a si prórpia por não ter levado nem telemóvel nem dinheiro...
Dinheiro.
O ritmo cardíaco da rapariga acelarou a mil à hora e sentiu o seu estômago vazio a contorcer-se. Como é que ia pagar o quadro ao senhor? Tudo parecia correr-lhe mal naquele dia, mas ao mesmo tempo sentia-se extremamente bem com o homem desconhecido e não dava conta das coisas que aconteciam à sua volta.
Uma onda de calor subiu-lhe pelo corpo ao mesmo tempo que se lembrava do estado em que a sua família devia estar naquele momento. Olhou para o velho entertido com o seu poster. Mas o que raio estou eu aqui a fazer? Pensava ela para si milhões de vezes sem encontrar resposta. O que? O homem olhou para ela e a sua expressão tornou-se séria e preocupada. Largou imediatamente as ferramentas que caíram mesmo junto aos seus pés e correu ao encontro de Joana. Os seus joelhos tombaram no chão como dois pesos de cem quilos e com as duas mãos levantou o rosto descaído de Joana.
- Joana, sentes-te bem? Estás tão pálida...
Os dois olhos cor de oceano tentam desesperadamente encontrar os olhos vazios e assustados de Joana. A sensação de calor trasnforma-se rapidamente num arrepio pela espinha acima fazendo-a estremecer. Joana percebeu por fim que se estava a desfalecer, mas era tarde de mais.

***
.
- Tenta este. – pediu Sofia trazendo mais uma lista telefónica nas mãos. – É do ex. namorado dela.
Carla pega no livro e marca o número nas teclas do telefone. Esperançosa que alguém desse notícias de Joana, Carla ouviu uma voz do outro lado da linha:
- Está?
- Boa tarde. Daqui fala Carla Morais, a mãe da Joana.
- Boa tarde, como está?
- Hum... bem, obrigada. A Joana anda desaparecida desde hoje de manhã e eu desejava saber se sabe alguma coisa dela ou de alguém com quem ela possa estar.
- Não. Já não falo com ela à algum tempo. Tente telefonar para as amigas. – sujere o rapaz.
- Já o fiz e ninguém sabe dela.
- Peço imensas desculpas, mas não a posso ajudar. A única coisa que posso fazer é tentar alguns contactos de amigos dela ou conhecidos...
- Sim, agradecia.
- Então se houver notícias eu contacto-a, pode ser?
- Claro! E eu vou ter o cuidado de fazer o mesmo. Então uma boa tarde e obrigada.
- Obrigada eu por me avisar. Boa tarde.
Carla pousa o auscultador e suspira. Sofia olha para ela procurando algum sinal na sua expressão.
- Nada?
- Nada.
***
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Joana fora deitada sobre uma cama num quarto escuro. Depois de pousar o copo de água na mesa de cabeceira o velho teve o cuidado em abrir a janela de modo a arejar um pouco o espaço. Pega em duas almofadas e coloca-as por baixo da rapariga adormecida de modo a que ficasse mais confortável. Suavemente passou a sua mão pelo rosto de Joana.
- Não pode ser... – murmurou ele.
O coração do pobre homem quase parou naquele preciso momento. A pele de Joana estava gelada como pedra. Ele pega na sua mão e vê a pulsação. Muito fraca.
- Oh, meu Deus! Joana...

***

- Olha, achas boa ideia estarmos a fazer isto? No meio da confusão da rua não a vamos encontrar! Se ela estivesse aqui já tinha voltado para casa à mais tempo! – disse Sofia enquanto seguia a mãe apressada pelas ruas do grande Porto.
- Não sei... ela tem de estar em algum lado!
Sofia receava o pior. Tudo o que queria naquele momento era ver novamente a cara da irmã, mas lá no fundo era bem capaz de pensar no que podia estar a acontecer Joana. Carla obviamente pensava o mesmo, mas achava cruel de mais acontecer mais uma desgraça daquelas na família. Foi doloroso o suficiente a morte do marido. Não ia sopurtar mais uma angústia daquelas.
- Mãe, não te assustes com o que te vou dizer mas... acho que era melhor telefonares para os hospitais da zona.

***

O desgraçado homem estava em pânico. Não sabia o que fazer. Podia ser tudo uma questão de segundos. Joana podia estar em sério perigo. Mas podia ser apenas um desmaio. Ele não queria arriscar fazer algo que se viesse a arrepender... Mas não podia deixa-la morrer. Não podia...
- Não posso, minha querida.
Aproxima a sua cara à dela. Receoso. Conseguia ouvir a sua respiração extremamente débil. Levou as duas mãos ao rosto da moça e delicadamente pressionou o nariz. Mais uma questão de milímetros e era capaz de sentir o seu cheiro e ver a sua vida a andar para trás. Não podia descaír-se agora. Tinha de fazer o que estava certo, pela segurança dela. Fechou os olhos e com força e inspirou fundo. Ambos os lábios se tocaram ternemente.

sábado, 17 de março de 2007

Capítulo 3

And your earth moves beneath your own dream landscape.
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- Minha Nossa Senhora! – exclamou Joana admirada.
Aquela casa não era sem sombra de dúvidas uma casa velha e vulgar. Era um pouco mais do que isso, na verdade. Um paraíso aos olhos de admiradores de arte e uma boa razão para fazer inveja aos menos telentosos.
As frágeis e sábias paredes não chegavam para tantos quadros ali expostos. No chão iam-se amontoando mais pinturas, umas frescas, outras mais antigas, mas todas que faziam Joana parar para observar com atenção a beleza e autencidade das obras. No canto da ampla sala encontrava-se pousado um cavalete junto a uma pequena mesa com algumas ferramentas de pintura e mais telas por cobrir.
Aquele espaço já não tinha mais por onde lhe pegar. Estava completamente sobrecarregado e desorganizado. A secretária junto à porta da entrada encontrava-se repleta de papelada solta e desarrumada e de blocos de notas rabiscados. Mas o que chamou mais à atenção de Joana foi o lindo piano de cauda junto da pequena janela poeirenta. Tão brilhante e majestoso ocupava quase metade daquela sala de estar.
- Aposto que além de pintor foi um grande músico. – disse Joana passando a ponta dos dedos nas teclas pretas e brancas tão limpas e polidas que nem as pratas da raínha de Inglaterra.
O homem arrasta uma gargalhada sonora e aproxima-se do local. – Não, eu nunca fui lá muito bom músico. Mas gostava muito de ter sido.
- Nunca teve oportunidade de aprender? – pergunta Joana.
- Não, falta de talento mesmo! – responde ele a rir. – Digamos que não tenho queda para os acordes e as notas.
Joana achou estranho a sua reacção. Como é possível conseguir rir-se daquela maneira mesmo não tendo realizado o seu sonho por falta de capacidade? Certamente a pintura realizava-o por completo.
- Vamos lá despachar isto? - pergunta ele pegando no poster novamente.
Joana assentiu com a cabeça e seguiu-o até à sala ao lado.
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***
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Carla já tinha tentado ligar-lhe para o telemóvel mil e uma vezes chegando depois à conclusão que a micro-geringonça da sua filha estava perdida no meio das almofadas do sofá. Como era possível que Joana não avisasse sequer que não ia almoçar a casa? Bom, o pior foi ter saído sem alguma explicação. Sem ter qualquer maneira de contactar com Joana, Carla ficou por servir o almoço para Sofia e esperar mais um pouco.
- Mãe, e se fosses à procura dela?
- Vamos esperar mais um pouco. Agora come. – disse ela espreitando pela janela mais uma vez.
- Acho estranho uma coisa... – diz Sofia. – porque é que ela levou o meu poster?
Carla olhou para a filha. – Que poster?
- Aquele que eu tinha na parede do meu guarda-fatos! O que compramos numa feira há uns meses atrás. – responde Sofia sem tocar na comida.
- Tens a certeza que ela o levou?
- Sim. Antes de saír de casa ele estava lá. Quando cheguei tinha sumido. – explicou Sofia.
- É estranho... – concluiu Carla – Vamos esperar que ela volte.
- E se ela não voltar?
- Come a massa, Sofia!

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***
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Joana ficava cada vez mais surpreendida com aquele pequeno homem. Não existia canto algum naquela casa sem estar preenchido com algo de interessante e curioso para a rapariga. Aquela divisão era um pouco mais pequena e escura que a anterior mas igualmente agradável. No centro estava uma mesa comprida e larga sem cadeiras. O velho entra por uma porta ao fundo da sala e volta a saír com um monte de ferramentas e algumas tábuas já devidamente cortadas e trabalhadas, como se já tivesse tudo preparado para receber e ajudar Joana. Pousa tudo em cima da mesa e volta a entrar na arrecadação.
- Isso vai demorar muito? – pergunta Joana sentando-se no banco de rodar encostado à parede.
- Não muito. Tenho tudo em mente, não se preocupe. – Responde-lhe ele pousando mais outra tábua em cima da mesa.
- Tenho a certeza que depois disto ficarei a dever-lhe muito. - disse Joana.
- Não, menina, eu é que ficarei a dever-lhe muito mais pela companhia e alguma ocupação que me está a proporcionar neste momento. – retorquiu o homem olhando-a.
Joana ri-se. – Trate-me por Joana por favor.
O senhor sorri e no fundo daquela sala escura Joana viu seus olhos brilharem de novo. – Está bem, Joana.
A rapariga fica de novo aparvalhada. Estava à espera que ele fosse dar o seu nome também e em vez disso ficou com um sorriso patético nos lábios enquanto continuava os seus afaseres.
- Então o senhor já trabalhou numa loja de molduras? – perguntou Joana metendo conversa enquanto assistia ao homem a trabalhar no seu poster.
- Sim, mas não muito tempo. Foi quando eu era novo, precisava de algum dinheiro e aceitaram-me numa pequena loja de fazer arranjos em quadros e coisas assim. Mas nada de especial. Eu era um mero empregado mas deu-me alguma formação nestas coisas, e o que aprendi lá serviu para alguma coisa no futuro como pode ver.
- Parece que tem muitos anos de experiência! – observou Joana.
- É como lhe digo, ganhei mais habilidade recentemente com os meus próprios quadros do que quando trabalhava nessa loja. Eu era apenas um miúdo desajeitado e trapalhão que precisava de alguns trocos! – disse ele a rir-se. – Ao fim dum mês tive de procurar outra coisa para fazer. O dono daquilo morreu e como não tinha família o estabelecimento fechou. Ele era uma pessoa amável e muito inteligente, mesmo não tendo estudos nenhuns, e isso fascinava-me! Era a pessoa que quando eu não tinha ninguém com quem falar ou nada para fazer arranjava-me sempre ocupação ou desenvolviamos conversas de horas a fio quando não havia grande movimento na loja. Ensinou-me muitas coisas que mesmo agora eu as aplico no meu dia-a-dia e que também as usei na minha formação como pessoa.
- Foi uma pessoa influente para si? – pergunta Joana.
- Sem dúvida. – responde ele. – São estes pequenos acontecimentos, pessoas ou memórias que nos fazem pensar no verdadeiro rumo que tomamos na nossa vida. Olhamos para trás, para todo o trajecto de definimos, para tudo o que aconteceu e conseguimos ver as coisas de uma outra prespectiva, com outros olhos de ver. Passamos a compreender melhor o porquê, o como e na verdade chegamos a pensar o quão idiotas fomos em algumas situações! Bom, eu sei que isso faz parte do ciclo da vida de toda a gente, mas eu por exemplo demorei bastante tempo a resolver a confusão que ia na minha cabeça, a desembaraçar todos os novêlos de lã e pô-los no lugar, percebe? Acima de tudo uma pessoa tem de saber crescer emocionalmente, não só fisica e psicológicamente. Agora, bem, agora vejo como tudo era simples e fácil, mas na altura não havia mais espaço na minha cabeça para poder pensar assim.
- Então está a dizer que muita coisa no seu passado não devia ter acontecido?
- Não, Joana. Muita coisa no meu passado podia muito bem ter acontecido mas não conteceu. Arrependo-me de muito e não me orgulho de muito mais.
- Eu muitas vezes penso que a minha vida não está a tomar rumo nenhum. Passam sempre as mesmas coisas, as mesmas chatices e as poucas emoções que acontecem não chegam para definir a nossa personalidade. É como a TV, fartam-se de passar anúncios repetidos e a programação é sempre a mesma mas as pessoas não deixam de estarem coladas ao ecran à espera de algo interessante. É como se houvesse apenas um caminho por ir. Isso aborrece-me de morte, mas às vezes tenho medo de enfrentar o mundo. De descobrir aquilo que mais temo e depois não ter forças para ultrapassar os problemas e as dificuldades.
O homem sorriu. – Fico fascinado com a quantidade de coisas que cabem na cabeça de um jovem adolescente. Isso aconteceu comigo. E acredite que foi pior. Mas eu optei por achar todas as forças que eu tinha e que não tinha para poder tomar um rumo e ser feliz.
- Conseguiu?
- Com o tempo e muito esforço, consegui.

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Hoje vamos todos demostrar os pequenos irlandeses que há em nós? Porque hoje é dia de St. Patrick!! Onde há sempre mais um espaçozinho para festa, convívio e muita Guiness!!
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Happy St. Patrick Day to everyone!