Capítulo 9 - Kingdoms rise, and kingdoms fall, but you go on...and on...
- Tu moras aqui? – Pergunta Joana.
Eve assentiu. – Não gostas? São a primeira construção em altura da Irlanda! Tem elevadores e tudo! – Falou Eve rindo-se do seu próprio sarcasmo barato.
- A primeira?
- Sim, parece que depois de toda a Europa concluir que viver por cima dos vizinhos não era uma boa ideia, a Irlanda resolveu fazê-lo. E aqui está! – Evelyn apontou para uns enormes prédios que surgiam à sua frente. Meia dúzia de torres, ou um pouco mais até, espalhavam-se por um recinto plano sem árvores ou espaços verdes. Joana achou tudo muito abatido e sem cor.
Ambas subiram o resto da rua e seguiram por uma estrada mais estreita. Por entre muros altos cobertos de musgo as pedras da calçada guiavam-se muito desorganizadas pelas curvas íngremes.
- Então, conta lá miúda, quem és?
Evelyn pontapeou uma pedra. Esta bateu na parede e voltou para junto dos pés de Joana.
- Diz-me tu. – Joana voltou a chutar o pedregulho com mais força.
- Quem é que queres que eu te diga quem tu és?
- Tu é que sabes! Tu é que me encontraste! – Respondeu Joana rispidamente.
Eve parou e olhou para Joana com ar de riso. A expressão dela não era nada animadora. Evelyn soltou uma gargalhada e continuou.
- Do que te ris? – Joana já não gostava da conversa. Estava irritada. Ficou parada no mesmo sítio enquanto Eve pontapeava mais pedras.
- Tens piada. – Responde Eve entre risos.
- Tenho? Engraçado… não estou a achar piada nenhuma! – Respingou ela passando-lhe à frente e continuando a caminhada sozinha.
- Ei, para onde vais? Tens sítio para onde ir? Sabes o caminho? – Eve correu logo a seguir.
Joana sentiu uma vaga de medo a instalar-se nela. Sabia que não tinha sítio para onde ir... Pensou o quão terrível isso lhe parecia. Fechou os olhos com dificuldade porque sabia que num ápice se encheriam de lágrimas. Esforçou-se para se lembrar de alguma coisa.
- Vá lá, não precisas de ficar assim. – Diz Eve limpando uma lágrima que deslizava pela cara. – Vamos para minha casa. Lá podes pensar com mais calma.
- Como é que é possível? Eu não me lembro de nada! – Joana soluçava e ao mesmo tempo limpava as lágrimas com ambas as mãos.
- Também não sei, mas agora estamos metidas nisto juntas! – Disse Eve tentando acalmar Joana. Mostrou um sorriso e passou o braço pelas suas costas.
Seguiram caminho juntas enquanto Evelyn conversava sobre o sítio onde morava e algumas das desgraças que aconteciam em sua casa. Joana distraiu-se por fim, e pôde aproveitar um pouco da sua nova paragem em Dublin.
***
- É ela! – Exclama Sofia debruçando o olhar para além do vidro alto da porta. – É ela!
- É. – Consentiu o velho sentindo um nó no estômago. Engoliu em seco. É mesmo ela. E não tinha indícios de melhoras… pelo menos continuava a dormir.
- O que é que ela tem? – Pergunta Sofia desequilibrando-se do alto das suas pontas dos pés. – O senhor sabe o que aconteceu? – Pergunta ela de seguida recompondo-se.
- Não sei o que lhe deu. Estava com ela quando simplesmente desmaiou à minha frente!
- À sua frente? Então de onde conhecia a minha irmã? – Sofia olha novamente de relance para dentro do quarto, como se certificasse que ela ainda estava lá.
- De lado nenhum, mas se eu te disser tudo, estrago a surpresa que ela tinha para ti! – Disse o homem olhando para o mesmo sítio que Sofia.
A rapariga encarou-o. Tinha um sorriso miudinho estampado nos lábios. Não estava a sorrir de felicidade mas Sofia percebeu que havia algo por trás de tudo aquilo. Os dois pequenos olhos azuis e luminosos voltaram-se para ela de novo.
– Não percebo… - Diz Sofia confusa.
Eram só os dois que se encontravam naquele corredor, e mais uma mão cheia de portas fechadas. Estava tudo quieto. Qualquer som seria abafado pelo barulho dos carros circulando na auto-estrada fora das paredes do hospital, mas até isso lhes parecia muito distante. Agora os dias de Verão tinham uma morte vagarosa. A luz enérgica daquele dia passado custou a ir-se embora, mas o sol já não batia tão intensamente nas vidraças.
O velho deu meia volta ao sentir algo a pesar-lhe no ombro esquerdo. Sofia fez o mesmo.
Elsa estava agora entre os dois. Espreitou igualmente pela janela e esboçou um sorriso conformado e triste na sua expressão. Sofia e o homem não estavam minimamente preocupados com o facto de terem sido apanhados, desta forma já poderiam ter acesso a alguma informação com a médica do lado deles. E ela sabia também como prosseguir.
- Sofia, a tua mãe já saiu e está lá em baixo à tua espera, ela vai precisar de conversar contigo, pode ser? – Disse Elsa levando-os dali para fora. Passou amavelmente a sua mão pelos cabelos castanhos de Sofia. Essa era uma das poucas diferenças físicas entre ela e Joana.
Sofia era uma rapariga destemida. Nada lhe metia medo nem havia obstáculos de género nenhum. Se há muita gente que diz que não gosta de conversa fiada ela é a que leva isso mais a sério. A curiosidade e a energia sempre foram as suas melhores armas. O dom da palavra também sempre a acompanhou e Joana era um bocado o oposto de tudo isso. Ela não se guiava pela intuição, mas sim pela lógica das coisas. Sempre fracassou mais que Sofia nos assuntos a que toca a sentimentos e pensamentos que viajam na nossa mente sem serem convidados. Tudo isso para ela era uma tortura no qual para Sofia era puro divertimento. Não ter respostas para questões não era de todo o que Joana mais gostava. Contudo, ambas eram inseparáveis. O facto de não se compreenderem ajudava a resolverem os problemas alheios, unidas. Mas tenho a dizer que nem sempre dava certo.
- Ela vai contar-me tudo? Já sabe o que tem a Joana, não sabe? – Pergunta Sofia.
- Sim. Precisas de ir ter com ela agora… vais ter de ser forte, está bem? A tua mãe vai precisar muito de ti a partir de agora! – Disse Elsa quase faltando-lhe a voz. Tentou não assustar demasiado a moça, mas o que disse pareceu-lhe ter saído do sítio mais obscuro de si própria. O pior que a profissão lhe podia dar era isso mesmo. Nem sempre é fácil lidar com as desgraças alheias, muito menos numa situação em que a vida de alguém está nas nossas mãos. Embora o caso de Joana não lhe estivesse entregue agora sentia-se responsável por aquela família. E mais uma vez pareceu-lhe estar na função errada.
- Doutora, eu peço-lhe por favor que me diga tudo o que tem a dizer, aqui e agora! – Implorou Sofia colocando-se mesmo diante da médica. Esta ficou estupefacta com a sua resistência. Nada disso era esperado. – Sei que a minha mãe nunca me vai dizer tudo! A Joana corre perigo de vida? O que aconteceu? – Pergunta ela com uma voz estridente.
Os seus olhos brilhavam com fervor. Elsa olhou-os para além do verde. Não era revolta nenhuma, Sofia apenas queria saber a verdade. Isso não a surpreendeu. Deu um passo atrás e pousou a sua mão no ombro dela.
- Eu vou contar-te o que sei, está bem? Nós também não temos a certeza de nada… ainda é cedo de mais para haver um diagnóstico completo. – Elsa começa. Os três retomam viagem para o piso inferior. – Mas suspeitamos que seja um AVC. É muito raro com a idade que ela tem, mas o facto de ela ter tido uma recaída repentina pode ter também sido uma baixa de tensão e isso pode ter causado distúrbios a nível cerebral.
Sofia olhava para Elsa como se tentasse captar algo importante, e era isso de facto. Ficou muito quieta ouvindo a médica a falar do que sabia, e depositou toda a confiança no que por si só era uma tragédia.
- Isso quer dizer que o mais certo é a Joana ficar com lesões, quando acordar, e…
- Não, calma, é provável sim, mas ela neste momento tanto pode acordar como se nada fosse como ficar com mazelas graves… Mas temos que pensar que tudo vai dar certo, ok? O tempo o dirá! Nâo te preocupes com isso, está bem? – Falou a médica olhando para Sofia tentando sossegá-la.
- O tempo neste caso é vulnerável, vocês sabem disso, é tudo uma questão de tempo! Uma questão de segundos e tudo se pode perder, não é assim? - Sofia falava rápido num olhar distante como se tudo estivesse ensaiado.
- Sofia, as coisas estão a decorrer normalmente, o que te leva a pensar que devemos reforçar os esforços? - Perguntou Elsa a sorrir.
- Porque a minha irmã está lá dentro há horas e eu ainda não consegui perceber o que raio se passa com ela! Porque é que ninguém faz nada? Estivemos lá à pouco e ela simplesmente estava sozinha, você viu isso e não fez nada também! Porque é que ainda ninguém percebeu o que ela tem de mal? Pensei que num hospital o ritmo fosse diferente, sabe, tudo se descobrisse num ápice e se partisse para uma fase seguinte! Não é assim que está a acontecer… eu apenas quero saber porquê…
Elsa envolveu o seu braço à volta dos ombros de Sofia ficando bem próxima dela.
- Fazemos assim, logo que eu saiba alguma coisa eu contacto-te e falamos acerca disso, ok? Compreendo perfeitamente as tuas dúvidas, mas eu agora tenho de te deixar com a tua mãe. Tu também precisas dela, ou não?
- Claro… - Falou Sofia pouco convencida. “Mas porque é que nunca ninguém me diz nada?” Pensou ela.
Os três regressaram ao caos sem dizer mais nenhuma palavra, mas todos ainda tinham muitas dúvidas a pairar na cabeça. Duvidas… isso é normal… mas não quando algo não está devidamente explicado e claro.
Carla torcia um lenço de papel nas mãos enquanto pensava no que dizer a Sofia. Meu deus, como isto a apanhou de surpresa! Quando as coisas corriam sobre rodas tinha de vir isto para descarrilar a sua vida…
Sofia apareceu ao fundo das escadas e olhou para a mãe temendo o que viria a seguir. Deu dois passos trémulos incentivados por Elsa que aguardava junto do velho.
Carla avançou correndo para os braços da sua filha mais nova. Abraçou-a tão forte que os problemas pareciam ter sido expelidos suavemente deixando-as como se fossem as únicas pessoas no mundo. Mas a realidade voltou a recair quando Carla viu os olhos de Sofia e se lembrou de Joana. Tinha de aguentar tudo, era a única saída possível!
