quinta-feira, 21 de junho de 2007

Capítulo 7 - Primeira parte

Capítulo 7 – Won’t you come back tomorrow?
Primeira Parte
Ivone esboçou um largo sorriso de contentamento ao baixar o auscultador do telefone. Desapertou com agilidade o avental do corpo e atirou-o para um cadeirão verde e poeirento no canto da sala. Apresentou-se à frente do espelho da entrada e arranjou os caracóis com as mãos satisfeita com a sua descoberta, e que lhe saíu bastante barata, por um acaso.
- António, vamos dar um passeio, querido! – diz ela dando os últimos retoques na roupa.
- Tás doida? – pergunta ele incrédulo aparecendo no corredor. – Temos trabalho a fazer! Não estamos com tempo para passeios!
- Deixa, o café fica por conta da miúda! – diz ela rispidamente. – Vamos lá!
- Tudo bem... – diz ele com pouca convicção voltando para dentro. – Então, onde queres ir?
- Dar uma voltinha pelas redondezas...
Ambos moravam no apartamento restaurado que ficava por cima do seu negócio. Aquele era um bairro muito típico do Porto e o mais antigo também. Não era zona muito apreciada pelos visitantes, talvez pela crueza dos habitantes e costumes reservados apenas aos mesmos. Toda a gente se conhecia lá, e por isso a uma nova cara já era motivo para se comentar e por vezes levantarem-se suspeitas e boatos que originavam olhares desconfiados. Talvez por essas pessoas viverem num mundo tão à parte. Outrora havia sido um bom lugar para se viver. O rio Douro brilha a poucos passos das casas e situa-se num bom lugar com vistas lindíssimas.
Passava pouco das três horas quando Ivone e António deixaram a casa e o café por conta da sua filha mais velha. Ivone estava mais que decidida a descobrir a história que o velho deixou por contar. A história escondida por detrás dos pequenos olhos azuis empolgantes. Por isso levou o marido com ela à primeira oportunidade que viu.
A tarde aquecia cada vez mais. O Sol já se posicionava ligeiramente para a esquerda o que já era bastante bom porque fazia alguma sombra em alguns sítios. António parou alguns passos atrás de Ivone e olhou para o beco odiondo e cinzento onde se encontravam. Não havia nada além de paredes altas e um pequeno e triste edifício que parecia deslocado do espaço.
- Tens a certeza que é esta a casa? – pergunta António seguindo a esposa receoso.
- Sim, a minha irmã disse-me que viu a ambulãncia aqui mesmo. Só pode ser esta a casa. – informou Ivone avançando sem medo.
- Como estás a pensar entrar? Olha que alguém ainda nos apanha, Ivone!! – alertou o pobre homem.
A mulher empurra a porta entreaberta e entra. Fugindo dos aglomerados de lixo amontoado nas escadas sobe-as rapidamente até chegar ao primeiro e único andar. António segue-a lentamente prestando mais atenção às palavras obscenas escritas a tinta nas paredes.
- E se estiver alguém lá, Ivone? Não podemos fazer isto, mulher, estamos a invadir a privacidade de uma pessoa! - O que estás a dizer? – pergunta ela voltando-se para o marido. – Quero só saber notícias da rapariga e dar algum apoio moral ao senhor! Não sejas tolo mas é!
***
Carla não sabia como tinha sido capaz de conduzir o carro se nem sequer sentia as pernas. As mãos tremiam-lhe e estava a suar por todos os lados. Sofia não falou nenhuma palavra durante o trajecto inteiro. Limitou-se a olhar para o lado da janela enquando a mãe passava semáforos vermelhos e ignorava os outros condutores que businavam indignados e confusos. Pensava nas mil e uma coisas que podiam ter acontecido à irmã mas não tinha coragem de pôr a hipótise de lhe acontecer algo de grave. Carla estaciona desajeitadamente o automóvel no parque do hospital. Saem as duas e atravessam a correr por entre os carros. Ao chegar à entrada do edificio aceleram o passo. É então que empurram as pesadas portas de madeira, para uma nova dimensão.
***
- Como pudeste verificar, não está ninguém em casa, por isso vamos embora daqui. – diz António pela segunda vez a Ivone que permanecia imóvel em frente à porta do velho.
Pensativa, passou a mão pelo queixo e olhou à sua volta. Não havia nada ao seu alcance a não ser paredes corridas num pequeno corredor estreito.
- Calma, homem. Só quero verificar que está tudo bem.
António estava confuso. Cruzou os braços e esperou.
- Sabes, as pessoas, por muito que saibam que é óbvio demais esconder a chave debaixo do tapete de entrada... – fala ela abaixando-se diante da porta. - ... nunca deixam de o fazer.
António arregalou tanto os olhos que parecia que lhe iriam saltar das órbitras. Ivone saca uma pequena chave de metal por de baixo do tapete gasto da soleira da porta e fa-la dançar diante dos seus olhos, vitoriosa.
- Fantástico! – exclamou o homem ironicamente. – Vamos embora.
- E se... – falou Ivone metendo a chave na fechadura.
- Oh... não Ivone!
- Sim! – contradisse ela rindo-se.
- Acabo de conhecer o teu lado mais demoníaco, e não estou a gostar nada!
Ivone riu-se ainda mais quando a chave rodou com facilidade e a porta deixou entrar alguns raios de luz para o corredor escuro. O coração de António disparou quando viu a mulher a espreitar para lá do vão da porta.
- Tens de ver isto, maridinho! – disse ela entre gargalhadas.
- Grande apoio moral que estás a dar...
***
O velho deixou que a água deslizasse livremente pela garganta e desfrutou ao máximo daquele pequeno prazer. Pousou o copo vazio na secretária e voltou a sentar-se.
- Não sabe que nestas alturas se deve beber muita água para não desidratar? – resmungou a moça observando-o cuidadosamente.
- Eu costumo beber muita água. O tempo é que não ajuda nada... – grunhiu ele passando as mãos pelo cabelo molhado.
- Por isso mesmo! Bom, deixando isso de parte, quero saber mais pormenores de como tudo aconteceu! Os enfermeiros que o acompanharam afirmaram que não sabia muito bem o que se tinha passado a Joana partindo do princípio que nem sequer a conhece... como foi ela parar a sua casa?
- Não é bem assim... Eu quis ajudá-la a tratar do seu poster e por isso levei-a para minha casa. Na verdade, eu encontrei-a na rua perdida.
- Sim. – consentiu. – Nós contactamos com a mãe dela e ela estava muito aflita por nem saber onde ela estava. Sabe que isso pode trazer confusão para o seu lado.
- Sim, sei disso tudo! Sei disso desde o primeiro instante que estive com ela, mas que queria que fizesse eu? Agora essas circustancias não me incomodam e nem sequer alteram a situação em que a Joana está! A única prioridade neste momento é ela, certo? A propósito, deviam-se preocupar primeiro com ela não comigo. – disse ele um tanto irritado.
A mulher riu-se delicadamente e chegou-se à frente olhando-o directamente nos olhos.
- A Joana já está sobre observação. Agora, aqui podemos tratar dos assuntos menos relacionados com ela. Olhe, eu compreendo a sua posição, e por isso quero ajudá-lo.
A sua voz doce mas directa entuou nos seus ouvidos como uma melodia. Ela sorriu levemente e deixou a sua mente ainda mais baralhada do que já estava.
- Agradeço imenso a sua disponibilidade, a sério! – disse ele levantando-se de retorno à saída. – Mas não preciso agora de defensores! Sei bem o que faço e quais as minhas intensões!
A médica levanta-se de rompante e impede a passagem do velho.
- Não fuja de mim! – ordenou ela puxando-lhe o braço.
O homem não se queria deixar levar pelo cântico enfeitiçador da sua voz mas retrocedeu.
A porta abriu-se de rompante sem aviso e Carla entrou pelo consultório seguida de Sofia.
- Hum... boa tarde, sou a mãe da Joana e... – balbucionou Carla procurando alguém dentro da sala.
- Sim, sim! Falamos lá fora! – disse a médica conduzindo-a para fora do consultório.
Sofia ficara.
O homem reparou o quanto era parecida com Joana. O olhar curioso e imperdoável por dirigir uns olhos tão verdes e grandes quanto possível não faziam só recordar Joana. Sabia que estava mais alguém relacionado com as duas...
Carla puxou Sofia para fora fazendo esta rodopiar desajeitadamente.
O velho viu-se finalmente sozinho. Já não aguentava mais aquilo! Bateu ruidosamente com o punho num armário e tentou explusar toda a raiva que sentia. Como é que podia conhecer a rapariga se nem sequer se conhecia a si próprio?
Fim da primeira Parte

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Capítulo 6

Nem vale a pensa dizer nada... após um mês sem postar, esta desavergonhada vem agora pôr pra aqui uma caganita de capítulo!? XD
Bem, espero que gostem! Acho que está a ir pelo bom caminho!


Capítulo 6 – Where the Streets Have no Name

Joana tentou a todo o custo encaixar as peças na sua cabeça. Estava completamente baralhada quanto àquela estranha situação. Uma súbita ventania levanta-se naquele lugar que fez rodopiar as folhas secas depositadas nos cantos dos passeios. Joana também se viu obrigada a segurar-se para não caír. Os longos cabelos cor de ouro voaram violentamente em todas as direcções em protesto de sua fúria.
O rapaz ainda lá estava. Vestido num blusão de cabedal parecia muito bem conjugado com o ambiente daquele dia. Joana olhou para ele. Tinha um olhar intenso mas agradável. O rosto era magro e um pouco sarapintado com sardas. O cabelo era espesso e preto e caía sobre a testa, completamente despenteado. Joana achou curioso. Parecia um misto de sinistralidade com um certo humor.
Mas Joana ainda sentia a cabeça andar à roda juntamente com o estômago quando o ouviu babulciar qualquer coisa que não conseguiu decifrar.

***

O velho com um impulso conseguiu subir para a ambulância num lugar da frente. Ele guiaria-a até Joana, uma vez que não havia morada concreta da sua casa. Estava inquieto e um pouco envergonhado.
O veículo arrancou a toda a velocidade pela rua acima fazendo um berreiro de todo o tamanho. Os enfermeiros e pessoal de auxíliar iam fazendo perguntas no qual lhe custava responder. Na verdade ele não conhecia Joana, não sabia quem ela era nem de onde veio. Isso era o bastante para se sentir culpado de tudo.
Afundou a cara nas mãos e limpou o suor. Inspirou fundo.

***

Ivone Costa e António estavam nas traseiras do café quando a ambulância partiu. Desempacotavam algumas garrafas e traziam-nas para dentro. No meio da balbúrdia, Ivone falou ao marido:
- Reparaste na pronuncia estranha do homem?
- De quem? – Pergunda António distraído com o trabalho.
- Do homem de há bocado! – responde a mulher.
- Devia ser estrangeiro, ou então era do sul, sei lá. – diz ele sem levantar o olhar.
- Achei-o muito estranho e suspeito, juntamente com a história que ele contou da menina. Então ele nem sequer sabia onde morava?! – diz Ivone ao marido.
- Deve ser novo cá. Nunca o vi por estas bandas.
- Nem eu... – concorda ela pensativa.
- O que estás a a tramar, mulher? – pergunta ele empilhando mais um monte de cervejas a um canto.
- Tenho de tirar esta história a limpo.

***

Joana apercebeu-se da terrivel realidade. Não estava apenas a sonhar. Tudo aquilo era bem real. E não estava sozinha.
Tentou proteger os seus braços gelados da ventania que se fez sentir. Apercebe-se também que a rua é muito mais larga e longa do que pensara quando a olhou de relance. Ainda estava sentada e queria-se levantar mas assustara-se com os quatro vultos que se atravassavam em sua frente.
- Hã... It’s everything fine... with you? – repete o rapaz de preto chegando-se mais perto.
- Do you need something? – pergunta um outro rapaz de de franjas douradas, tão compridas que chegavam a espetar-lhe nos olhos.
Joana sentiu-se como se tivesse andado numa montanha russa.
Eles eram quatro e já os conseguia ver nitidamente. Pareciam ter saído de algum filme de acção ou algo não menos caótico que um desastre de automóvel. Os rapazes estrangeiros olhavam para ela com a mesma expressão confusa.
Joana queria responder algo mas não lhe saía nada da boca.
Chegando do nada, alguém enterrompe o confronto de olhares com uma voz imponente. Nem deu tempo de Joana responder.
- Vamos lá bazar daqui! Saiam, a moça está comigo!
Joana desviou o olhar. Uma mulher, uma aparente jovem mulher, agachou-se à sua frente e olhou-a nos olhos com frieza.
- Trouxe-te isto! – Disse ela enfiando-lhe um pequeno saco de papel nas mãos. – Deduzi que tivesses fome... como deves ter ficado a noite ao relento!
Ela falava num inglês corrente que Joana mal compreendia. Tinha uns cabelos encaracolados, não muito compridos num loiro quase cegante. Os olhos eram cor de mel muito bem disfarçados pelas carregadas olheiras roixas pingadas no rosto sem cor.
- Thank you. – respondeu Joana envergonhada olhando para dentro do saco.
- O meu nome é Evelyn. – disse ela. – Mas podes tratar-me por Eve.

***

A maca onde Joana repousava rolava agilmente pelo chão liso e brilhante dos corredores das urgências. O pequeno homem seguia os médicos e todas aquelas pessoas que rodeavam a moça numa tentativa de perceber alguma coisa do que falavam. Perdido que nem um passarinho agarrava com fervor na mala de Joana procurando em alguma coisa onde se agarrar. Estava esgotado.
Áquela hora não se podia sequer pensar em entrar naquele hospital. Mesmo no centro da cidade, era para onde se dirigiam a maioria dos casos mais graves e delicados de toda a região. Haviam pessoas atarantadas por todo o lado e em todos os cantos permanecia alguém tentando circular no meio de todo aquele cenário turbulento.
Surgindo de uma porta, uma mulher bonita avança ao encontro do senhor. Era morena com uns cabelos castanhos muito compridos e toda vestida de branco chamou à sua atenção. Sorridente e com um olhar muito sereno pegou na sua mão delicadamente e conduziu-o de retorno à saída.
- O senhor é o que acompanhou a rapariga na ambulância, não é?
- Sim. – Respondeu ele deixando escapar uma gota de suor que escorreu rapidamente até ao pescoço.
- Venha comigo por favor. Vamos falar um bocado sobre si e sobre a menina Joana. – disse ela num tom de voz muito calmo que deixou o homem ainda mais nervoso.
Ela conduziu-o para uma pequena sala do outro lado do hospital. Por lá as coisas já estavam muito mais tranquilas. A jovem entra e fecha a porta atrás de si depois de deixar o homem acompanha-la também.
- Ora, então quem é o senhor? – pergunta ela escondendo-se por detrás da sua secretária. – Pode sentar-se, por favor.

***


- Fica descansada filha, eu vou num instante ver o que se passa e depois volto!
Arrumou a carteira no ombro e calçou as sandálias à pressa.
- O que disseram ao telefone? – pergunda Sofia.
- Encontraram-na. Deu entrada agora no hospital e... ainda não sabem o seu estado, apenas encontra-se inconsciente. – explicou Carla entre suspiros. - Não saias de casa! – ordenou ela abrindo a porta.
- Vais deixar-me sozinha sem saber o que se passa com a Joana? Acho que tenho o direito de...
- Vamos!
Saíram as duas a correr para o hospital.